Élio Gasda SJ
A história do machismo e da humanidade se entrelaçam.
Machismo é um conjunto de práticas relacionadas a uma masculinidade dominante em um sistema patriarcal, branco, heterossexual, capitalista.
É muito difícil ser mulher. A cultura do machismo vai das tarefas de casa à violência física. Em 2021, em média, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas. Desde o início da pandemia (março de 2020) a dezembro de 2021, foram 2.451 feminicídios e mais de 100 mil casos de estupro (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Estatísticas chocantes. Lutar contra a violência que sofrem as mulheres significa não apenas enfrentar realidades reveladas em números, mas enfrentá-las no plano da cultura social.
Mulheres são discriminadas em seus salários, por suas roupas, falas, ideias e atitudes. São rotuladas em seu aspecto físico e moral. Algumas são para “casar” outras são para “ficar”. Comportamentos são etiquetados, corpos objetificados.
Mulher não pode envelhecer, não pode engordar. Homem de cabelo grisalho é charmoso, mulher é desleixada. Segundo pesquisa do Projeto Dove pela Autoestima, cerca de 84% das adolescentes brasileiras, a partir dos 13 anos, já usaram algum filtro ou aplicativo de edição de fotos para modificar sua própria imagem real. 78% delas, ao postar na internet, tentaram ocultar parte do corpo que consideram indesejada, feia. 70% delas se sentiriam menos julgadas se as mídias e as redes sociais utilizassem modelos reais: de todas as idades, etnias, tamanhos, estilos. 75% das entrevistadas gostariam que o mundo se concentrasse mais em quem elas são e menos na aparência.
Estudo do What Women Want, da Kantar, revela: apenas 25% das mulheres se sentem livres e confortáveis na decisão sobre sua sexualidade e corpo.As mulheres estão cansadas de ser ofendidas na família, na escola, no trabalho, na rua, no transporte coletivo, na internet, na TV, nos bares, nas igrejas.Surreal! Em pleno século XXI ainda se quer controlar o corpo feminino. Há um empenho masculino para manter o domínio sobre a mulher. A mulher a todo momento é policiada. Em tudo. Não tem direito sequer a viver sua história traduzida nos seus anos de vida.
Assumir o próprio corpo é determinante para qualquer ser humano. Todo corpo é legítimo, belo, fonte de sabedoria e de vida. O padrão de beleza de um corpo é aquele que a pessoa escolhe. Suas cicatrizes contam histórias, seus cabelos grisalhos guardam beleza. Não existem defeitos quando falamos de aparência, existem particularidades.
Basta de rótulos estéticos e discursos moralizantes sobre os corpos femininos. Ter direito ao corpo é uma luta que as mulheres enfrentam por viverem uma sociedade que dita como elas devem se comportar, se vestir, envelhecer. Cabe às mulheres decidir o que fazem com seus corpos e suas vidas. Não cabe às religiões, à sociedade, à mídia, nem ao Estado. A escolha é delas!
Mas há mudanças. Mulheres estão redescobrindo a autoestima depois dos 50. Assumem suas idades com liberdade, sabedoria e amor próprio. O envelhecimento feminino é um processo, uma narrativa feita de sangue, rugas, algumas gordurinhas aqui e ali, cabelos brancos, flacidez, cicatrizes, estrias. Relatos de histórias de luta por vida, igualdade, amor e justiça.
Mais mulheres estão falando! “Falar é poder existir” (Djalmira Ribeiro). O silêncio e o medo não protegem. É preciso falar a quem não deixa falar e não consegue ouvir.
“As mulheres têm muito a dizer-nos na sociedade atual. Às vezes somos demasiado machistas, e não deixamos espaço à mulher. A mulher vê as coisas com olhos diferentes dos homens” (Papa Francisco).
Ser mulher é um monte de coisas. Um desejo: Não se deixem manipular por interesses que não seus. “Não deixem que tentem te colonizar, te doutrinar e te converter. Eu quero voar! Escrever o meu enredo. Liberdade é não ter medo!” (Larissa Lins).
Machismo mata! Não há democracia nem justiça enquanto o machismo não for destruído. Nem verdadeiro cristianismo. É vergonhoso que muitos cristãos defendam a submissão da mulher ao homem.
Deus é agredido em cada empurrão, bofetada, estupro e humilhação.
“Toda violência contra as mulheres é uma profanação de Deus. A salvação para a humanidade veio do corpo de uma mulher: pela maneira como tratamos o corpo de uma mulher, compreendemos nosso nível de humanidade” (Papa Francisco).
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE