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Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus (Êxodo 20, 7)

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Élio Gasda SJ

Estamos diante de um abuso sem precedentes: o uso ad absurdum do nome de Deus para justificar genocídios, corrupção, miséria, fome, violência, negacionismo. Para ganhar eleições e para mentir!

O segundo mandamento proíbe o abuso do nome de Deus. O uso inadequado do nome de Deus pode ser configurado como blasfêmia. Em palavras e pensamentos. Mal dizê-Lo, proferir o ódio. Contradizer as coisas sagradas é desafiar a bondade divina. É blasfêmia recorrer ao nome de Deus para justificar crimes contra uma pessoa e ou contra povos. A blasfêmia é, em si mesma, pecado grave (Catecismo, n. 2148).

São Tomás de Aquino entende a blasfêmia como oposição à confissão de fé. “O detrimento à bondade divina pode ser obra do intelecto ou do afeto. Se residir na inteligência é blasfêmia mental. Se se manifestar exteriormente pela palavra, a blasfêmia será por palavras. Deste modo, a blasfêmia se opõe à confissão de fé. Atribuir às criaturas o que é próprio de Deus implica em lhe atribuir o que não é de Deus. Próprio de Deus é Deus mesmo. Blasfemar é igualar Deus à criatura” (Suma Teológica, q. 13, a.1).

Bolsonaro desconhece São Tomás de Aquino e é incapaz de entender o Decálogo. Sequer sabe o que é ser cristão. Usa como argumento a facada recebida durante sua primeira campanha: “Sou um sobrevivente e devo minha vida a Deus”. Os bolsonaristas estão convictos de que foi Deus quem escolheu Bolsonaro para governar o país.

Uma blasfêmia. “Não tomarás em vão o nome de teu Deus. Toma em vão o nome de Deus quem dele afirma uma falsidade”, diz Santo Tomás (q.13, a.2). A fé pode ser libertadora, mas também alienadora quando utilizada como ferramenta política em um país multirreligioso como o Brasil. Bolsonaro utiliza essa ferramenta, ora como arma, ora como escudo, ora para mentir. “O diabo é o pai da mentira” (João 8, 44).

O presidente continua no palanque de que nunca desceu, sentindo-se o filho predileto pretendendo se reeleger em nome de Deus: “A função que ocupo é uma missão de Deus”. Apedeuta, seus discursos escassos de vocabulário estão recheados de referências religiosas. Na mira o eleitorado evangélico-católico. Faz de igrejas palanque político.

O nome de Deus não deve ser utilizado para fins políticos. Se Deus deu a Jair Messias Bolsonaro a missão de governar o país, não ensinou como curar enfermos e repartir o pão. Já são quase 700 mil mortos pelo coronavírus, 33 milhões de pessoas passam fome. Milhões de desempregados, milhares trabalhando na informalidade. Que missão é essa?

O Brasil nunca teve uma primeira-dama tão obscurantista. Fanática, manipula a fé das pessoas em sua obsessão de destruição do país.  Michele usa a palavra “Deus” de forma leviana e desrespeitosa. Seu Deus é uma divindade militarizada armada até os dentes que destila ódio aos inimigos. Seu herói é o torturador Carlos Brilhante Ustra. A terceira esposa do presidente defende tudo o que o evangelho condena. É anticristã como seu esposo.

Jesus, o ilustre ausente. “Eu e o Pai somos Um” (João 10, 30). Não compreendemos o Deus sem Jesus Cristo. Jesus multiplicou pães, não armas. Ensinou o amor, não a guerra. O cristianismo se orienta pelo Evangelho. O Deus de Jesus é aquele que que se humaniza, que se entrega para que outros vivam. Deus conosco, arma sua tenda no meio dos pobres para “derrubar dos tronos os poderosos e exaltar os humildes. Para encher de bens os famintos e despedir vazios os ricos” (Lucas 1, 52s).

A atitude mais cristã por excelência é o amor ao inimigo (Mateus 5.44ss). Um enviado escolhido de Deus deve viver de maneira coerente, amorosa e justa. Jesus era amoroso com todos que o procuravam. Deus não é senhor do ódio e da vingança. “Onde há inveja e ambição egoísta aí há confusão e toda espécie de males” (Tiago 3, 16).

Deus não combina com injustiça, armas e mentiras. O ladrão vem para matar, roubar e destruir, eu vim para que todos tenham vida e vida em abundancia (João 10,10).

Deus é puro Amor. “Se eu falto ao amor ou se falto à justiça, afasto-me de Vós, meu Deus, e meu culto não é mais que idolatria. Para crer em Vós, devo crer no amor e na justiça. Vale mil vezes mais crer nessas coisas que pronunciar o Vosso nome. Fora delas é impossível que eu Vos encontre. Aqueles que tomam por guia – o amor e a justiça – estão sobre o caminho que os conduz a Vós” (Henri De Lubac).

Usar o nome de Deus para buscar poder, riqueza e justificar perversidades é desconhecer o Deus verdadeiro revelado em Jesus.

Blasfemos e perversos “encurvam a sua língua como o seu arco, para a mentira; fortalecem-se na terra, mas não para a verdade, porque avançam de maldade em maldade e não me conhecem, diz o Senhor” (Jeremias 9,3).

 

Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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