Luiz Sureki SJ
“Os verdadeiros amigos resistem a três coisas: o passar do tempo, a distância e o silêncio”.
Ao ouvir por acaso essa frase, vieram-me à mente algumas pessoas. Algumas delas têm estilos de vida bem diferentes da minha; algumas fazem contato com certa frequência, outras só raramente (eu sou uma dessas). O fato é que podemos passar meses sem nos ver, até mesmo sem nos falar. E, quando ocasionalmente nos encontramos, a sensação é a de que nada aconteceu: como se o tempo não pesasse, como se a distância não existisse, como se o silêncio não durasse. O vínculo permanece intacto, porque, de algum modo, sempre soubemos estar presentes um para o outro, como agora estamos.
A amizade é um daqueles fenômenos humanos que escapam a reduções meramente funcionais ou utilitaristas. Não se trata de conveniência, de interesse ou de cálculo. Tampouco se mede por frequência de encontros, quantidade de mensagens trocadas ou proximidade geográfica. A amizade verdadeira, em seu caráter mais profundo, possui uma densidade existencial: ela resiste ao tempo, à distância e ao silêncio. Esses três elementos, que normalmente desgastam os laços humanos, não destroem o vínculo que tem sua origem em algo mais radical do que a mera convivência cotidiana.
O tempo, por exemplo, é implacável em quase todas as relações. Os anos se acumulam, as circunstâncias se transformam, as pessoas mudam de cidade, de trabalho, de interesses. No entanto, quando falamos de verdadeira amizade, o tempo não corrói, mas apenas confirma. A ausência de encontros constantes não enfraquece o vínculo, mas revela que sua raiz está em algo que não depende da sucessão cronológica. O tempo só é ameaça para aquilo que não tem consistência. Para a amizade, porém, ele se torna testemunha: o que permanece depois de anos é aquilo que realmente é.
Do mesmo modo, a distância poderia parecer um obstáculo intransponível. Relações fundadas apenas em hábitos de proximidade tendem a se dissolver quando surge a separação espacial. Mas a amizade autêntica não é uma questão de metros ou quilômetros. Ela não é limitada pela geografia. A distância física pode até adiar encontros, mas não suprime a certeza da presença. O amigo verdadeiro não é aquele que está sempre ao lado, mas aquele cuja lembrança viva acompanha a existência e cuja presença se torna real mesmo quando apenas evocada.
E o silêncio ‒ talvez o mais enigmático dos três elementos ‒ também não destrói a amizade. O silêncio pode significar esquecimento em muitas relações. Mas, quando se trata de amizade genuína, o silêncio se converte em linguagem. É a confiança de que, ainda sem palavras, o vínculo não desaparece. Muitas vezes, é justamente no reencontro após longos períodos de silêncio que se revela a força da amizade: as palavras retomam o fio como se nunca tivesse havido interrupção.
Essa experiência não é tão rara: todos temos em mente uma ou duas pessoas com quem se dá exatamente assim. Talvez sigam estilos de vida muito diferentes dos nossos, talvez habitem mundos culturais ou sociais distantes. Mas, no encontro, experimenta-se o milagre de que “nada aconteceu”: nem o tempo, nem a distância, nem o silêncio foram capazes de apagar a conexão. É como se houvesse, no fundo da amizade, uma espécie de permanência ontológica, algo que se conserva além das circunstâncias.
Aqui se revela o caráter existencialmente verdadeiro da amizade. Ela toca o núcleo do ser humano como ser-em-relação. Não vivemos isolados, mas somos constitutivamente abertos ao outro. A amizade é uma das expressões mais puras dessa abertura: não nasce de imposição nem de necessidade, mas de uma liberdade que reconhece e acolhe a alteridade do outro como bem em si. Por isso, mesmo na diferença de estilos de vida, permanece a comunhão. A amizade não é fusão, mas consonância de singularidades.
Em termos filosóficos, poderíamos dizer que a amizade manifesta a verdade da condição humana como coexistência. Aristóteles já notava, na Ética a Nicômaco, que ninguém escolheria viver sem amigos, mesmo que tivesse todos os outros bens. Para ele, o amigo é um “outro eu”, mas não por ser idêntico; antes, por permitir que cada um se reconheça a partir da relação. Na amizade, encontro-me a mim mesmo no espelho do outro ‒ e isso confere à vida um sentido de permanência que não é destruído pelo tempo, pela distância ou pelo silêncio.
Também Simone Weil, em sua reflexão sobre o amor e a atenção, nos ajuda a compreender esse fenômeno. O verdadeiro amor ‒ e a amizade é uma forma privilegiada de amor ‒ consiste em reconhecer no outro não um objeto de posse, mas um mistério que transcende. Talvez por isso os amigos verdadeiros não se exigem presença constante, nem controle sobre a vida um do outro. O vínculo subsiste justamente porque não depende da utilidade, mas de um reconhecimento recíproco e gratuito da dignidade e da singularidade.
Se quisermos aprofundar ainda mais, podemos afirmar que a amizade verdadeira participa de algo do eterno. Não porque seja perfeita ou imune a falhas, mas porque toca aquela dimensão do humano que não se mede em categorias meramente funcionais. Quando dizemos que um amigo é “para sempre”, não queremos afirmar uma previsão cronológica, mas nomear essa experiência de permanência que resiste ao fluxo. Há uma espécie de intemporalidade inscrita no vínculo: mesmo que passem décadas, a amizade retorna como se o tempo não tivesse passado.
É nesse sentido que a frase inicial se mostra profundamente existencial: ela não fala apenas de uma experiência psicológica, mas de uma verdade da existência. Somos seres temporais, espaciais, marcados pelo silêncio ‒ e, no entanto, a amizade revela a possibilidade de transcender essas limitações. Ela mostra que há vínculos humanos que não se reduzem à lógica da presença física ou da comunicação constante. A amizade, quando é verdadeira, é um modo de ser-no-mundo com os outros que se mantém vivo mesmo nas ausências.
Por isso, recordar os amigos que resistem ao tempo, à distância e ao silêncio é mais do que um gesto de nostalgia: é um exercício de gratidão. Fazer saber ao outro que continuamos aí, apesar das circunstâncias, é reafirmar essa verdade existencial. É testemunhar que a amizade é, ao mesmo tempo, dom e tarefa: dom porque não se produz artificialmente, mas nasce de um encontro misterioso; tarefa porque exige cuidado, ainda que discreto, para que não se perca na indiferença.
Em um mundo marcado pela comunicação instantânea e pela ansiedade de respostas imediatas, cultivar amizades que resistem ao silêncio é quase um ato contracultural. Elas nos lembram que o essencial não se mede por estatísticas de mensagens trocadas, mas pela profundidade do vínculo. Onde há amizade verdadeira, há também a certeza de que nunca estamos completamente sós.
Talvez a frase de Jesus Cristo dita aos discípulos na véspera de sua partida, a qual representa separação física, espacial e cronológica, ilustre bem o que estamos dizendo: “já não vos chamo de servos, mas de amigos” (cf. Jo 15,15). Ao chamar os discípulos de amigos, Jesus revela que a amizade verdadeira é feita de confiança e de partilha: é a entrega de si mesmo, o dom da própria vida. Não se trata apenas de uma relação funcional, mas de uma comunhão de destino. E é nesse mesmo horizonte que se compreende sua promessa final: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Ainda que viessem o tempo, a distância e o silêncio da ausência visível, o vínculo permaneceria intacto, sustentado pela certeza da presença. Assim também, na amizade verdadeira, experimentamos algo semelhante: ela é como um prelúdio da ressurreição, um sinal de que a vida pode vencer o tempo, a ausência e até mesmo o silêncio. Por isso, os amigos da sabedoria ‒ os filósofos ‒ são também interpelados a reconhecer, na amizade, uma forma privilegiada de sabedoria.
A vida intelectual filosófica possui sim um caráter solitário. Um livro filosófico não é escrito por vários filósofos ao mesmo tempo. Quando vários filósofos contribuem para uma mesma obra, o que se tem é uma coletânea: capítulos reunidos por alguém em torno de um tema comum, cada qual escrito desde diferentes perspectivas no silêncio de suas próprias reflexões e meditações. Isso, porém, não significa que o filósofo tenha menos amigos de verdade do que aquele que, imerso na “multidão virtual”, se contenta em acumular admiradores (não amigos) nas redes sociais.
Luiz Sureki, SJ é professor e diretor do departamento de Filosofia da FAJE
25/09/2025

Foto: Cornelia Steiwender / Unsplash