Bruno Pettersen
Sou professor na FAJE desde 2011, tendo lecionado disciplinas como “Filosofia da Natureza”, “Filosofia Contemporânea” e “Lógica”. Tenho participado de inúmeras tarefas acadêmicas ao longo desses 14 anos nessa instituição que me recebeu tão bem e tem me oferecido uma oportunidade profissional e pessoal ímpar. Além das tarefas acadêmicas, estou como coordenador da Graduação em Filosofia desde 2014, completando 10 anos no começo deste ano. Quero falar neste breve texto sobre o nosso Projeto Pedagógico e de como ele foi pensado de uma forma muito especial para a formação de nossos alunos.
A primeira versão do Projeto Pedagógico que conheci foi escrita magistralmente pelo nosso saudoso Pe. João Mac Dowell, SJ. A reflexão que o Pe. Mac Dowell fez sobre o fazer filosófico é ainda o texto base de nosso Projeto Pedagógico e traça as linhas fundamentais de nossa graduação. A leitura do texto que Mac Dowell escreveu não é apenas de interesse dos professores e alunos, mas penso que pode ser base para qualquer reflexão sobre o fazer filosófico.
Se eu puder acrescentar algumas linhas ao que ele escreveu, tenho pessoalmente refletido sobre o que é formar alguém em Filosofia em nossos tempos. A formação filosófica deve ter uma inegável base sólida e conceitual que permita que o aluno consiga navegar pelas ideias e obras dos filósofos nos mais variados tempos e contextos. No entanto, para além dessa formação, acredito que precisamos formar os alunos para a capacidade de argumentação filosófica. Não devemos apenas formar pessoas capazes de retomar conceitos, mas indivíduos capazes de articular um argumento que possa envolver aspectos da sociedade na qual vivem. Essa última tarefa é a mais difícil: conhecer bem Platão, Hume ou Wittgenstein não torna o indivíduo capaz de argumentar bem sobre qualquer assunto; no máximo, ele se torna capaz de relatar bem esses autores. Argumentar exige conhecimento filosófico, mas também a prática de uma racionalidade que precisa ser capaz de ouvir as necessidades do mundo e da comunidade filosófica e, com a ajuda dos autores, elaborar estratégias capazes de interpelar o problema na sua realidade contextual.
Acredito que o nosso Projeto Pedagógico é capaz tanto de articular a história do pensamento como também propor os caminhos para uma argumentação sobre o mundo. Claro, as necessidades atuais do MEC para o Projeto Pedagógico têm algumas novidades em relação ao que Mac Dowell elaborou, mas a estrutura permanece muito semelhante.
A estrutura básica do Bacharelado em Filosofia envolve duas colunas. A primeira é composta pelas matérias que chamamos de Sistemáticas, que incluem as seguintes: Teoria do Conhecimento, Filosofia da Natureza, Antropologia, Ética, Metafísica e Filosofia da Religião. Essas matérias, embora contenham um elemento histórico, têm como foco apresentar grandes problemáticas ao aluno. Essas matérias são tão importantes em nosso currículo que, ao final da formação, os alunos fazem o chamado “Exame Compreensivo”, que propõe uma exposição oral dos estudantes sobre essas matérias. Um bom exame final pede que o aluno seja capaz de articular as matérias que ele aprendeu e responder argumentativamente aos problemas apresentados durante o exame. Esse exame não é simples, pois exige justamente a capacidade de argumentar a partir dos problemas filosóficos. Assim, mesmo um aluno que possa ter dificuldades em se expressar oralmente será conduzido pela sua formação para lentamente desenvolver essa habilidade.
A segunda parte do nosso currículo são as disciplinas históricas, que têm o objetivo de apresentar o filósofo em seu contexto. A divisão histórica não poderia ser mais direta: História da Filosofia Antiga I e II, Medieval, Moderna I e II e Contemporânea I e II. Nelas, a trajetória envolve lidar com os pensadores axiais da história, permitindo conhecer os fundamentos de pensadores como, por exemplo, Descartes e Hegel. Como o tempo é curto, essas disciplinas não podem entrar nos detalhes de todos os assuntos, mas aqui temos a base para permitir que o aluno adentre a Filosofia.
Mas para podermos entrar em detalhes sobre temáticas e autores, temos dois eixos que permitem isso: as chamadas Filosóficas Complementares e os Seminários. As Filosóficas Complementares permitem aos professores ofertarem disciplinas de acordo com suas pesquisas pessoais e com os temas que eles julgarem relevantes, portanto, essas matérias podem mudar com o tempo. Atualmente, temos disciplinas sobre Nietzsche, Filosofia da Mente e Hannah Arendt, apenas para dar alguns exemplos. A outra parte, os chamados “Seminários”, são disciplinas que, embora possam contar com a exposição dos professores, têm o foco no aluno. Nessas atividades, os professores orientam os temas, ideias e bibliografia, mas convidam os alunos a apresentarem suas reflexões sobre as leituras. Assim, os seminários são uma parte fundamental na tentativa de transformar os alunos em filósofos e filósofas capazes de ordenarem ideias complexas dos vários autores da história do pensamento.
Além disso, temos uma formação geral que vai além da Filosofia, com matérias chamadas Científico-Literárias, que incluem “Psicologia”, “Sociologia” e “Teoria da Comunicação”. Ofertamos também, de modo obrigatório, uma disciplina de Português ou de Francês, dependendo das características pessoais dos alunos. Claro, em uma faculdade onde a Teologia é parte essencial, temos também duas disciplinas de introdução à Teologia. Não posso me esquecer das disciplinas optativas, ofertadas quase sempre no turno da tarde, como aquelas que envolvem as línguas clássicas, como o Grego e o Latim.
A extensão universitária também é parte central de nossa formação. Não apenas os alunos são conduzidos às temáticas clássicas, mas eles também precisam ter uma relação direta com a comunidade, onde cada um dos alunos precisa participar de atividades de extensão, nas quais a Filosofia encontra a sociedade e se relaciona com ela, buscando questões da própria sociedade e ajudando a levar nossas reflexões para ela. A pesquisa também é parte integrante da formação dos alunos. O programa de Iniciação Científica é ofertado a alunos a partir do segundo semestre e, embora não seja um requerimento para a formatura, todos os alunos são convidados a participar.
Ao fim do curso, o aluno não apenas faz o exame compreensivo, que é oral, mas também precisa apresentar uma monografia que o prepara para escrever detidamente sobre um tema de sua escolha.
A FAJE também oferece a Filosofia como Licenciatura, que tem algumas pequenas diferenças em relação ao Bacharelado. Digo “pequenas diferenças” porque, desde o momento em que entrei em contato com a primeira versão do Projeto Pedagógico escrito por Mac Dowell, notei que a diferença entre a Licenciatura e o Bacharelado na FAJE deveria ser pequena, porque tanto o Bacharel precisa ter habilidades de ensino, como o Licenciando tem que ter grande conhecimento de pesquisa. Assim, as diferenças se resumem a algumas matérias exclusivas para o Licenciando e outras exclusivas para o Bacharel. No caso da Licenciatura, as disciplinas exclusivas são “Filosofia da Educação”, “Sociologia da Educação”, “Psicologia da Educação”, “Didática” e “Libras”. Para além dessas disciplinas, o Licenciando precisa também cumprir o Estágio, que o colocará em contato com a escola.
Penso que esse currículo é um dos mais robustos que já vi em minha experiência na Filosofia do Brasil. Ele habilita os alunos a conhecer a história do pensamento, mas também a argumentação filosófica. Minha função nesses últimos anos de coordenação tem sido manter esse projeto ativo, com a ajuda de todos os professores, secretárias e funcionários em geral. Tem sido uma honra participar da formação de tantos filósofos e filósofas.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
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