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O mistério pascal na Sacrosanctum Concilium

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Washington Paranhos, SJ

A aquisição fundamental da Sacrosanctum Concilium, ao lado da natureza eclesial da liturgia como ação de Cristo e de todo o seu povo, que é a Igreja concentrada na assembleia celebrante, é certamente a da liturgia como celebração do mistério pascal. O Papa João Paulo II escreveu em 1988, no vigésimo quinto aniversário da Sacrosanctum Concilium: “O primeiro princípio da Constituição sobre a Sagrada Liturgia é a atualização do mistério pascal de Cristo na liturgia da Igreja ((JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Vicesimus quintus annus, n. 6).

Como é sabido, o documento conciliar, valendo-se das aquisições teológicas das décadas anteriores, considerando a revelação como a história da salvação que tem o seu ápice na morte, ressurreição e ascensão de Cristo, o Verbo de Deus feito homem, aplica a este momento recapitulador a categoria cara aos padres e aos textos da liturgia tanto no Oriente como no Ocidente, a começar por Melitão de Sardes, e    Isto, através de uma ação simbólica que torna o evento salvífico de alguma forma presente aos olhos de Deus e dos fiéis, para que Deus, vendo-o, se recorde da sua fidelidade e misericórdia, e para que os fiéis, recordando, por sua vez, se comprometam com a fidelidade e a coerência. A Sacrosanctum Concilium aplica esta categoria:

  • – à Eucaristia, o banquete pascal comemorativo da morte e ressurreição de Cristo (SC 47);
  • – aos sacramentos e sacramentais, que brotam do mistério pascal e o estendem às situações e acontecimentos da vida (SC 61)
  • – à celebração do ano litúrgico com o domingo no centro, a celebração dos vários aspectos e momentos do mistério pascal, as celebrações de Maria e dos santos (cap. V);
  • – à Liturgia das Horas, que estende a oração pessoal do Cristo Pascal às horas do dia e da noite (cap. IV).

Este princípio, assim explicitamente formulado, se é tradicional para o Batismo, para a Eucaristia e para o domingo, é novo se se refere aos outros âmbitos da liturgia, e teve uma aplicação ampla e coerente nos livros da reforma litúrgica, tanto nas premissas quanto nos textos litúrgicos.

O rito de iniciação cristã afirma que no batismo se faz memória e se realiza o mistério pascal, que é para os homens a passagem da morte para a vida (Rito de Iniciação Cristã, n. 6). E desta afirmação deriva a conveniência de celebrá-lo na Vigília Pascal ou aos domingos e a preferência pela imersão, sinal que exprime mais claramente a participação na morte e ressurreição de Cristo (Ibid., 22).

A Instrução Geral sobre o Missal Romano afirma que a Eucaristia é o banquete pascal pelo qual o sacrifício da cruz se faz continuamente presente na Igreja (n. 72).

Segundo o Rito de Iniciação Cristã de Adultos, a unidade celebrativa do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia manifesta a unidade do mistério pascal, a estreita relação entre a missão do Filho e a efusão do Espírito Santo e a unidade dos sacramentos pelos quais o Filho e o Espírito Santo se unem ao Pai para habitar nos batizados (n. 34).

Com o sacramento da confirmação, os batizados recebem a efusão do Espírito Santo, que no dia de Pentecostes foi enviado pelo Senhor ressuscitado sobre os apóstolos (Rito da Confirmação, n. 1).

Na celebração do sacramento da penitência e da reconciliação, “Deus Pai, que reconciliou o mundo consigo mesmo na morte e ressurreição de Cristo, e derramou o Espírito Santo para o perdão dos pecados, através do ministério da Igreja”, concede ao pecador arrependido o perdão e a paz realizados na Páscoa de Cristo (Rito da Penitência, n. 46).

A unção dos enfermos é uma profissão de fé na morte e ressurreição de Cristo, da qual o sacramento deriva a sua eficácia (Sacramento da Unção e cuidado pastoral dos Enfermos, n. 7).

No sacramento do matrimônio, o Espírito Santo, implorado sobre os esposos, permite-lhes extrair do amor com que Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a força para se amarem com amor recíproco e dedicação indivisa (Ordo celebrandi matrimonium, editio typica altera, 9).

Com o sacramento da Ordem, Deus torna partícipe um membro do Povo de Deus do Espírito com o qual Cristo oferece a si mesmo na cruz e fez dos apóstolos participantes da missão de anunciar e exercer a sua obra de salvação em todo o mundo (cf. a oração de ordenação do sacerdote, in Romano Pontifício, Ordenação do Bispo, de Sacerdotes e Diáconos, 1992, n. 177).

As bênçãos, portanto, são sinais sensíveis, instituídos pela Igreja à semelhança dos sacramentos, por meio dos quais se significa, e da maneira que lhes é própria, aquela santificação dos homens e aquela glorificação de Deus que constitui o fim para o qual se dirigem todas as outras atividades da Igreja (Benção, 9). Também eles, à sua maneira, retiram a sua eficácia do mistério pascal e permitem aos fiéis estender a sua graça aos diversos acontecimentos da vida (cf. Ibid., 14).

A obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus realiza-se não só através da Eucaristia e dos sacramentos, mas também através da Liturgia das Horas (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, n. 13), que estende às diferentes horas do dia as prerrogativas do mistério eucarístico, centro e ápice de toda a vida da comunidade cristã:  o louvor e a ação de graças, a memória dos mistérios da salvação, as súplicas e a antecipação da glória celeste (ibid., n. 12).

E no que diz respeito ao ano litúrgico, o texto do anúncio da Páscoa na Solenidade da Epifania resume muito bem a sua relação com o mistério pascal: “O centro de todo o ano litúrgico é o Tríduo Pascal do Senhor crucificado, sepultado e ressuscitado, que culminará no Domingo de Páscoa, este ano a […]. Em cada Domingo, Páscoa semanal, a Santa Igreja torna presente este grande acontecimento, no qual Jesus Cristo venceu o pecado e a morte. Da celebração da Páscoa do Senhor derivam todas as celebrações do Ano Litúrgico […]. Também nas festas da Santa Mãe de Deus, dos Apóstolos, dos Santos e na Comemoração dos Fiéis Defuntos, a Igreja peregrina sobre a terra proclama a Páscoa do Senhor”.

A tarefa atual da Igreja é a da formação dos cristãos no espírito da liturgia, para que toda a vida cristã adquira um rosto pascal.

Washington Paranhos, SJ é professor e pesquisador no departamento de teologia da FAJE

 

 

 

 

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