Bruno Pettersen
Donald Trump retornou ao governo dos Estados Unidos em uma retumbante vitória na última eleição presidencial. Os analistas políticos norte-americanos, especialmente os de tendência democrata, estão tentando entender o que ocorreu. Afinal, um sujeito claramente misógino, homofóbico, xenófobo e que prometeu vingança contra aqueles que se opuseram a ele foi eleito por mais de 75 milhões de votantes, contra cerca de 71 milhões de votos para Harris. A demografia do voto é ainda mais curiosa: 44% das mulheres votaram nele, mesmo ele tendo sido abertamente machista, e 45% dos latinos, apesar de seu discurso contrário à imigração. A pergunta que tem sido feita é: por que as pessoas votaram nele, mesmo com um discurso que as ataca?
Meu ponto é: nem os eleitores de Trump, nem os de Harris são realmente racionais sobre o seu voto. Não somos animais racionais, como Aristóteles afirmou; somos animais movidos pela paixão, como o escocês David Hume nos ensinou em sua frase: “A razão é e deve ser escrava das paixões.” Somos guiados por nossos sentimentos, não pela racionalidade. O maior mito por trás das eleições, das pesquisas de intenção de voto e de todos os aspectos da vida política é acreditar que as decisões são tomadas a partir de uma análise racional que avalia os prós e contras de um determinado candidato. Inclusive, os próprios eleitores que votaram em Harris não determinaram seu voto por razões e proporções, como querem supor. Seu voto também foi moldado pelas suas emoções.
Parte dos eleitores afirma que seu voto é motivado pela preocupação com o próximo, pela capacidade de compreender a economia e o sistema de votação. Mas, na verdade, isso reflete apenas um desejo de demonstrar uma suposta superioridade intelectual sobre o oponente. No final, é apenas mais um sentimento: o de superioridade intelectual, que impulsiona parte das pessoas a irem às urnas. Da mesma forma, boa parte do eleitorado percebe esse sentimento de pretensa superioridade em outros e reage a isso com um novo sentimento: a raiva, que os leva a querer revidar nas urnas.
Hume comenta assim sobre a postura dos indivíduos no que tange ao relato, ao testemunho:
“Os sábios conferem uma fé muito acadêmica a qualquer testemunho que favoreça a paixão do narrador, seja engrandecendo seu país, sua família ou a si mesmo, ou de qualquer outra forma, alinhando-se às suas inclinações e propensões naturais.” (Of Miracles, Hume)
Comentando sobre os relatos que as pessoas fazem sobre milagres, Hume acabou revelando a natureza humana em seu estado mais puro: acreditamos nas histórias e defendemos nossos pontos por causa dos sentimentos que elas evocam.
Quando me perguntam sobre qual filósofo eu mais gosto, pessoalmente respondo Hume e Wittgenstein. Não apenas porque eles me apresentaram ótimos argumentos, mas porque ler esses autores me traz um sentimento de que eles estão mais próximos do que considero correto. Por outro lado, não gosto de Hegel e Heidegger, não apenas pelos argumentos deles, mas pelo sentimento que suas ideias me despertam. É um mito supor que nossas decisões filosóficas ou políticas são motivadas apenas pela nossa capacidade de apresentar argumentos. Afinal, eu não seria capaz de expor de imediato uma justificativa racional para cada uma das centenas de teses de Hume, nem refutar claramente todos os argumentos de Heidegger. É um sentimento que me guia ao perceber a filosofia de Heidegger como falaciosa e a de Hume como acertada. E tenho certeza de que, quando os heideggerianos lerem isso, não gostarão nem um pouco. Perceba: o ponto de Hume é verdadeiro, você é tão motivado pelos seus sentimentos quanto qualquer um, e sobre isso, sinto que até os Hegelianos concordariam.
As pesquisas eleitorais, se quiserem acertar suas previsões, devem considerar a paixão que guia os eleitores, fazendo perguntas que despertam as emoções, geralmente escondidas atrás de pretensas decisões racionais. Se o eleitor fosse puramente racional em relação ao seu voto, não haveria indecisos, apenas pessoas sem informação. No entanto, não é a informação que torna a decisão eleitoral possível, mas sim o ódio, a raiva, o medo, o altruísmo, o amor e tantos outros sentimentos que povoam nossas mentes repletas de paixões.
Se eu trouxer esse debate ao Brasil, não tenho a menor dúvida de que personagens como Lula e Bolsonaro geram emoções fortes nos eleitores. E é justamente pela capacidade de reunir essas emoções que eles ganharam tantos votos. A verdade é que você está se enganando ao pensar que sua decisão eleitoral é movida pela razão: sua decisão é movida pelas suas paixões. Resta saber, por quais delas.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
Imagem: Shutterstock