O problema filosófico-teológico-cristão do pluralismo

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Luiz Sureki, SJ

O pluralismo se baseia na convicção de que nenhum grupo concreto pode abarcar a experiência humana em sua totalidade. Pluralismo exige, portanto, o reconhecimento das irredutibilidades religiosas e culturais. As culturas, assim como as religiões, não são espécies de nenhum gênero, são incomensuráveis. Cada cultura, cada religião, é um mundo, um universo, uma visão da totalidade da realidade. Pluralismo não é tolerância de uma diversidade de sistemas sob uma espécie de “guarda-chuva” mais amplo; não permite nenhuma superestrutura/supersistema.

Neste sentido, pluralismo é o termo com o qual se pretende levar a sério a radicalidade do plural. Significa que pluralismo não é o mesmo que pluralidade. Note-se, por exemplo, que quando falamos em pluralidade de igrejas cristãs, não estamos dizendo que elas sejam radicalmente diferentes; afinal todas são (igrejas) cristãs, pertencem a uma mesma religião: ao cristianismo. O diálogo entre cristãos não é inter-religioso, mas intereclesial ou ecumênico.

Note-se que quando falamos em pluralidade de religiões, nem sempre estamos atentos ao que estamos dizendo. Se pluralidade significa mais de uma, segue-se que não pode haver uma pluralidade de religiões, mas sim muitas religiões! Não obstante, é evidente que empregar o termo pluralidades – como plural do que (já) é plural – soa estranho. É neste sentido que o termo pluralismo parece mais adequado para designar o que simplesmente é diferente.

Alguém poderia contra-argumentar dizendo que quando falamos: “uma pluralidade de religiões” estamos na verdade dizendo que por mais diferente que as religiões possam ser, todas elas são expressões/manifestações diversas, distintas, distinguíveis de uma única “religião universal”. O problema é que uma tal religião universal, que a todas as religiões abarcasse, representasse e sintetizasse, não existe! As religiões só existem encarnadas na história.

Quando alguém diz: “Nós pluralistas atribuímos a cada sistema seu nicho; portanto, somos verdadeiramente universais”, isso não é pluralismo. É outro sistema, talvez melhor, mas que eliminaria a necessidade do pluralismo. Há algumas atitudes humanas fundamentais na raiz de diversas tradições humanas que não são reciprocamente conciliáveis. Não há uma visão religiosa pluralista do mundo; há simplesmente visões religiosas de mundo incompatíveis.

O caso é que tomar a atitude intelectual e existencial de abraçar o pluralismo como um fato é um desafio maior do que comumente pensamos. Embora não reconheçamos explicitamente, no fundo somos ontomonistas e monoteístas: um Ser e um Deus, e desde aí uma religião, um povo eleito, uma igreja (una, católica), uma verdade, uma visão de homem, uma visão de mundo; o Ser supremo, o Ser absoluto, o Ser por si subsistente, o Esse plenum etc. é Deus.

Admitimos que Consciência é Ser, mas disso não decorre que o Ser seja unicamente Consciência. Se o Ser se reduz à Consciência, o princípio (epistemológico) de não-contradição se converte em princípio ôntico de identidade. O que é lógico tem (também) que ser ontológico. Mas isso não é de todo verdade! Definições nominais não são definições essenciais! Dizer o que a palavra “Deus” significa em contextos monoteístas, não significa ter definido o que Deus é! Somente um objeto pode ser definido, delimitado. Deus é um, certamente, mas é preciso atentar para o fato de que a ideia de um monoteísmo estrito não é compatível com a revelação cristã de Deus, com a Encarnação como autocomunicação. Deus é Trindade – Pai, Filho, Espírito Santo – dizem os cristãos. Somente um Deus trinitário pode criar e (auto)apresentar-se na (sua) criação, e, assim, estabelecer uma relação nova com ela.

Nas palavras do filósofo e teólogo Raimon Panikkar: “A Encarnação não é isso, nem o “descenso” de um Deus nem a “elevação” de um homem. O Cristo cristão é ao mesmo tempo totalmente homem e totalmente Deus. Em um monoteísmo tal afirmação carece de sentido. Em um triteísmo ou um politeísmo é perfeitamente inútil. Tudo está relacionado. A Encarnação só tem sentido dentro de uma concepção trinitária da divindade.” (In: Religión y Religiones, 2016, p. 395).

Com efeito, um Deus não trinitário não pode unir-se ao homem sem destruir-se a si mesmo. Os antigos Padres da Igreja perceberam com clareza que sem a Trindade a Encarnação não fazia sentido e seriam forçados a aceitar as heresias do docetismo (Jesus parece homem, mas não é!) ou do arianismo (Jesus é criatura de Deus, não o Filho de Deus!). Em ambos os casos, era a salvação do ser humano que ficava comprometida.

A verdade é que o nosso tempo se caracteriza por um esquecimento da Trindade. Tal esquecimento, que provoca uma crise religiosa, tem a ver com a incapacidade de superar o monismo – e o monoteísmo estrito. É claro que superar o monoteísmo não significa adotar uma perspectiva politeísta, nem ateísta, mas muito especialmente resgatar a genuína intuição trinitária de Deus.

Se um dos dogmas fundamentais do Cristianismo, o da Encarnação, não se sustenta senão inserido numa compreensão trinitária de Deus, segue-se que os cristãos, enquanto não levarem realmente a sério a Trindade, a relacionalidade primordial, não se reencontrarão com sua identidade no terceiro milênio no diálogo inter-religioso.

A visão religiosa cristã de Deus é radicalmente trinitária, assim como trinitária é a sua visão/compreensão do todo da realidade. Por isso, a fé cristã é trinitária, ou não é cristã!

Mas, será que os cristãos se lembram ou se lembrarão disso?

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

14/08/2025

Imagem: Trindade, de Andrei Rulev

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