O Reencantamento do Mundo e a Ascensão das Teorias da Conspiração

advanced divider

Bruno Pettersen

Devo admitir: tenho uma curiosidade enorme por teorias da conspiração, das mais comuns até aquelas sem nexo com qualquer realidade. Desde visitas de alienígenas ao planeta Terra, passando por líderes globais que se reúnem em seitas satânicas, até mesmo o plano de tornar todas as pessoas do mundo controladas por chips de celulares a partir de antenas 5G. Tentei evitar dar exemplos mais bizarros, mas o que não falta são elucubrações desse tipo. Tenho duas perguntas: 1) Por que existem tais fabulações sobre o mundo? 2) Por que elas estão tão populares nos últimos anos?

Se você nunca ouviu falar em nenhuma teoria da conspiração nesses últimos anos, é provável que simplesmente não tenha percebido que eram conspiratórias, dada a normalidade delas. Uma das mais curiosas e perniciosas dos últimos meses foi a declaração do então candidato Trump de que imigrantes latinos estariam comendo cães e gatos. Tal afirmação foi rapidamente desmentida, mas isso pouco importa em afirmações desse tipo. Um sujeito que eu gostaria que tivesse sido infinitamente menos importante na política brasileira afirmou algumas vezes que a Pepsi-Cola era adoçada com “fetos humanos”. Essa loucura foi replicada milhares de vezes, e uma boa quantidade de pessoas assumiu essa afirmação como fato. Mas essa é apenas a superfície. Existem elucubrações que articulam o aquecimento global como uma mentira, orquestrada por uma elite global interessada em poder. Lembre-se: esses são os casos mais leves desse tipo de afirmação. Qual é a origem delas? Tenho uma hipótese: a tentativa de apresentar uma explicação coesa da realidade.

Um fato que podemos afirmar sem problema sobre o nosso mundo é que tudo ficou complicado demais. Não sabemos mais como quase nada funciona, sendo muito difícil, simultaneamente, conhecer Religião, Física, Engenharia, História da Arte, Culinária e Mecânica de motos pequenas. Você pode até ter um conhecimento amplo, mas será humanamente impossível conhecer tudo sobre um desses tópicos. Os antigos “polímatas”, que sabiam muito de tudo, simplesmente não têm mais lugar na complexidade do mundo atual. Não há como saber tudo, nem perto de tudo, mesmo na área a que você se dedica. Tudo isso é um fato já reconhecido há algum tempo. Mas o ser humano simplesmente não sabe lidar com esse reconhecimento de ignorância e, então, busca uma hipótese que possa lidar com o mundo como se fosse algo simples.

Como eu não consigo entender todos os meandros da Economia, da Política e da estrutura sociocultural de todos os povos do mundo, posso simplesmente dizer que a pobreza de alguns países é uma decisão de um grupo de homens que têm intenções malévolas, que se reúne ao redor de uma mesa e que, fumando seus charutos fedorentos, decide levar a Terra ao domínio de forças malignas. Veja, essa explicação pode ser colocada para explicar fenômenos de todos os tipos e dá uma certa unidade para dar conta da complexidade do mundo. É uma maneira simples de compreender o todo. Inclusive, é profundamente atraente conhecer essas teorias, porque elas preenchem lacunas de ignorância com uma simplicidade tão grande que eu não preciso ir além da superfície delas. Minha hipótese é que teorias desse tipo existem para unificar o complexo da nossa realidade. Mas agora tenho a segunda pergunta: por que elas estão mais populares em nossos dias?

Para responder a essa pergunta, quero começar citando um podcast que acompanhei em 2024: Operação Prato. Apresentado por Andrei Fernandes e dirigido pelo professor e jornalista Ivan Mizanzuk, esse podcast lida com uma suposta visita de alienígenas na região de Colares, no Pará. Fui ao podcast buscando compreender mais uma das tantas teorias sobre o assunto e fui recebido com um exame detido, muito bem pesquisado, da natureza das crenças das pessoas. Sem nunca menosprezar as sensações, dores e crenças dos envolvidos, o podcast faz um relato sem tirar conclusões precipitadas ou fazer saltos lógicos. O podcast fala mais sobre as pessoas do que sobre as possíveis conspirações. Foi um podcast realmente muito especial. Mas, ao ouvi-lo, muitas vezes me perguntei: por que essas teorias são tão populares?

Max Weber havia proposto o “desencantamento do mundo” no primeiro quartel do século XX, um mundo pós-iluminista em que a ciência e a razão estariam imperando. No entanto, minha hipótese para responder à segunda pergunta é a seguinte: o processo que Weber detectou se encerrou, e o mundo está começando a se reencantar mais uma vez. A falha do Iluminismo em dar conta de explicar o mundo para as pessoas tornou-se uma fonte oportunista para a ascensão de propostas conspiratórias. Nós só nos interessamos pela Operação Prato enquanto um evento conspiratório, mas, sobre as vidas afetadas, temos menos interesse, uma vez que a explicação das dores das pessoas é complexa demais, como o podcast mostrou bem. Nosso interesse é por uma realidade simples, que possa ser explicada com “alienígenas malvados estiveram na Terra e usaram pessoas do Norte do Brasil”. A única explicação simples que temos é reencantar o mundo.

Um mundo reencantado é um mundo repleto de simplicidade racional e profundo em hipóteses mágicas, religiosas e extraterrestres para lidar com os nossos problemas demasiadamente humanos. A consequência desse mundo reencantado é o abandono da racionalidade e a opção pela superstição. Mas isso não quer dizer que as pessoas que acreditam nessas teorias são idiotas ou qualquer coisa que o valha, mas sim que a racionalidade, a busca por evidências e a compreensão de complexos processos históricos não chegam até elas. Não tenho muita esperança de melhoria em breve, mas parece-me certo que o mundo desencantado de Weber acabou.

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

Reprodução

...