Élio Gasda SJ
“Quando ele está em campanha
Diz que vai resolver toda situação
Depois de eleito adianta o seu lado
E dá uma banana para o meu povão
Tira o pão da boca das crianças
Do aposentado e do trabalhador!
De norte a sul
De leste a oeste, meu irmão
Como tem político contaminado
Com o vírus da corrupção!” (Bezerra da Silva)
Corrupção, crime antigo e atual. No Brasil, o lícito e o ilícito, o público e o privado se misturam desde o tempo do Império. Quando chegou ao Rio de Janeiro, dom João recebeu de “presente” uma bela casa, a melhor do Rio, do traficante de escravos Elias Antônio Lopes. Esse, em contrapartida, recebeu privilégios da Corte.
220 anos depois, mesmo durante uma verdadeira pandemia, os escândalos dominam os noticiários: Consórcio internacional elege Bolsonaro como “Pessoa do Ano” em corrupção de 2020! Sua família e seu círculo mais próximos aparentam estar envolvidos em conspirações criminosas e vêm sendo regularmente acusados de roubar da população. O que dizer do “bolsolão”, ou tratoraço, orçamento paralelo de R$ 3 bilhões para comprar apoio no Congresso? E do Ministério da saúde que paga até 185% a mais por produto contra Covid 19? Flávio Bolsonaro compra mansão de R$ 6 milhões, mesma soma investigada pelo Ministério Público – valor três vezes maior do que o patrimônio declarado pelo senador em 2018; gasto milionário do Exército com camarão, uísque e vinhos virou notícia nacional! Ministério da Saúde, na gestão Pazuello, fez contrato de R$ 29 milhões sem licitação com empresas suspeitas para reformar galpões. Os sócios da empresa estão envolvidos em escândalos.
Corrupção é outro nome do bolsonarismo? Ocorrem graves retrocessos institucionais, principalmente com a perda da autonomia de órgãos como a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal. Governo corta verba do Coaf destinada a sistema contra a corrupção. Os ataques frequentes aos jornalistas e à sociedade civil é outra ameaça na luta contra a corrupção.
Corrupção, do latim, corruptio, significa deterioração, sedução. Antes de se falar em pecado original, expressão ausente na Bíblia, a tradição cristã dizia que o ser humano vivia numa situação de corrupção. Corrupção é ter um coração (cor) rompido (ruptus), pervertido. Na política, corrupção é o controle abusivo do poder e dos recursos do governo visando tirar proveito pessoal ou partidário. Corrupção sempre implica trocas entre quem detém poder decisório e quem detém poder econômico, visando à obtenção de vantagens ilegais para indivíduos ou grupos.
A corrupção é um crime com várias facetas. É um problema intrínseco a todo sistema apoiado em fatores internos e externos ao indivíduo (política, economia, administração pública e questões culturais e estados afetivos da pessoa). A verdade é que a corrupção está na base do capitalismo e seus laços com o poder e o dinheiro. A imposição do Estado mínimo aponta para um aspecto do neoliberalismo: a corrupção regulamentada. A corrupção desponta como estratégia dos poderosos para conseguir ainda mais poder. O governo Bolsonaro apresenta isso de forma muito clara. Para ter apoio no Congresso distribui verbas entre parlamentares. De impunidade em impunidade, o mal assumiu o poder.
A Igreja ensina que “entre as deformações do sistema democrático, a corrupção política é uma das mais graves, porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da justiça social; compromete o correto funcionamento do Estado, influindo negativamente na relação entre governantes e governados; introduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições. A corrupção política distorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como terreno de barganha política entre solicitações clientelistas e favores dos governantes. As opções políticas favorecem objetivos restritos de quantos possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos” (Compendio da Doutrina Social da Igreja, 411). “É um pecado social. A corrupção fede, o mal rouba a esperança” (papa Francisco).
A tolerância à corrupção é consequência da escassa consciência de cidadania. Políticos notoriamente corruptos são reeleitos. Tolera-se a corrupção como parte do sistema político e da cultura do jeitinho brasileiro. A sociedade tem um baixo grau de cultura cívica e alto grau de irresponsabilidade com o bem comum. Omite-se, lava as mãos e aposta em salvadores da pátria.
“A impunidade é segura quando a cumplicidade é geral” (Marques de Maricá). O desinteresse do cidadão para com as coisas do Estado e as desigualdades sociais são empecilhos na luta contra a corrupção. Igualdade, justiça social e honestidade são princípios fundamentais para erradicar a corrupção que governa o Brasil. O Governo que rouba é o mesmo que mata.
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador do departamento de Teologia da FAJE
Publicado originalmente em https://domtotal.com/noticia/1516936/2021/05/o-virus-da-corrupcao/