Paulo César Barros SJ
Nestes tempos de isolamento social, tenho orado e meditado sobre a virtude da paciência. Em busca de inspiração para viver este presente desafiador, resolvi reler o Tratado sobre a paciência, de Tertuliano, escritor eclesiástico que viveu no norte da África, entre os séculos II e III, notável por sua extensa obra no campo da moral cristã.
O próprio autor reconhece, ao iniciar o seu escrito, que não é paciente. Essa confissão lhe abre espaço para buscar o sumo modelo de paciência não nos homens, mas em Deus: o próprio Deus é exemplo de inesgotável paciência. O Senhor se mostra paciente para conosco, esperando que tomemos o caminho que nos conduz a Ele.
Ao se referir à atitude violenta de Pedro na paixão de Jesus relatada por João, a saber, cortar a orelha direita de Malco, servo do sumo sacerdote, com uma espada (Jo 18,10), Tertuliano diz que, naquele episódio, a paciência mesma do Senhor foi ferida – e não tanto o homem atingido pelo golpe de espada –, porque a Jesus não agrada a violência, mas a misericórdia. Neste ponto preciso de seu tratado, o autor africano se refere à paciência como “a mãe da misericórdia”. Deve-se imitar, portanto, não a impaciência dos homens, mas a paciência de Jesus, aquele que sempre é misericordioso para conosco.
Tertuliano ainda nos ensina a reconhecer a transitoriedade dos bens temporais. Em caso de perda de tais bens, não importa em quais circunstâncias ela ocorra, a paciência nos ajuda a superar tal experiência difícil. “Todas as realidades seculares pereçam, contanto que eu lucre a paciência!”, diz o nosso autor.
A vingança é inaceitável ao cristão. Que diferença há, pergunta Tertuliano, entre a ação má de um ofensor e aquela de um ofendido? No caso de uma contenda, a única diferença é que a ação reprovável do ofensor é anterior, e a do ofendido, posterior. Ora, ambas as atitudes são inaceitáveis na vida de um seguidor de Jesus. Quer a ofensa infligida a uma pessoa, quer a vingança do ofendido, resultam da impaciência.
Pode parecer estranho que o nosso autor exalte a paciência, até porque ela pode ser entendida como sinal de fraqueza, de inaptidão para enfrentar injustiças. Atenção! É evidente que Tertuliano não faz a defesa da covardia e da fragilidade a serem assumidas pelo cristão, ao se ver sem condições de enfrentar as más ações dos demais. Sua reflexão se situa no horizonte do amor, valor essencial do Evangelho; no Tratado sobre a paciência, o autor africano assim define o amor: “o amor é o sumo sacramento da fé”. Percebe-se aqui a influência de São Paulo, para quem “o amor é paciente” (1Cor 13,4).
Tertuliano nos faz ver que a paciência não se confunde com a resignação, esta, sim, uma atitude de fraqueza e derrotismo. No conjunto da reflexão do pensador cristão africano, a paciência se mostra como a virtude dos fortes. Na já mencionada paciência de Cristo quando de sua paixão, Nosso Senhor se mantém firme em seu projeto de fidelidade incondicional a Deus, não arreda pé em sua confiança no Pai. Após o abandono dos discípulos, em meio ao turbilhão causado pela crueldade dos acusadores e executores da pena de crucifixão, Jesus não perde a paciência. Ele se sabe abandonado pelos homens no momento extremo de sua existência, e em resposta paciente a esta dolorosa situação, se abandona nas mãos de Deus: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23,46).
No Tratado sobre a paciência, Tertuliano recorda as manifestações de impaciência na Bíblia: por exemplo, as rebeldias do Povo de Israel. E também, como não poderiam faltar, os casos de personagens bíblicas que se notabilizaram pelo exercício da paciência: Isaías, Estêvão e Jó, entre outros.
Consolados pela paciência de Deus e de Cristo, busquemos superar esse tempo de provação com “ponderação, justiça e piedade” (Tt 2,12), três atitudes que correspondem, respectivamente, a cada um de nós em particular, àqueles com os quais convivemos, e a Deus nosso Senhor. Essas atitudes, integradas e mutuamente fecundadas pela paciência, hão de nos levar ao crescimento como pessoas humanas, capazes de passar, sob o olhar e o carinho do Senhor, sem temor, pelos vales obscuros da existência humana (cf. Sl 23,4).
Paulo César Barros SJ é professor do Departamento de Teologia da FAJE.