Sílvia Contaldo
Em seu recente artigo Sete enfermidades sutis do espírito contemporâneo Luiz Sureki destacou adoecimentos que acometem a todos nesses tempos de muitos males. Haveria algum remédio? Não há milagres para cura imediata – alimentados por atitudes ingênuas nascidas da crença “o mundo é assim mesmo”, nem procedimentos clínicos que sejam capazes de embelezar o que há sob a superfície epidérmica. Fiquemos então com a Filosofia, phármakon insubstituível. Boécio (480-525), por exemplo, em sua De Phisosophiae Consolatione, nos deixou prescrições filosóficas para que “comecemos a abrir os olhos, que se cegaram pelas coisas humanas (CF, I,4). Assim como devemos iniciar tratamentos para a saúde do corpo por etapas, seguindo recomendações, dosagem adequada dos remédios e aguardar com paciência pelos resultados, também a Filosofia pode ser medicamento para os males que, sutilmente, têm nos acometido, instalando-se – como posseiros – em nosso espírito. Quando se vê, já quase sucumbimos à exaustão performática, à dispersão cognitiva, ao fascínio narcísico, à melancolia da solidão, à perda de sentido na e da vida, aos temores dos fracassos e ao absurdo de naufragar na superfície. De fato, são males graves, dramáticos e de difícil prognóstico. Se não esperássemos contra toda a esperança, como escreveu o cardeal José Tolentino, poderíamos declarar o óbito: aqui jaz um mundo no qual “a vida tornou-se uma sucessão de tarefas, expectativas” que devem ser cumpridas em velocidade de pistas de corrida, sem pausas.
Recordemos, no entanto, da nossa nutriz, como a definiu Boécio, a Filosofia. Medicina filosófica, combinando teoria e prática, restabelece a nossa saúde. Também Sêneca (4-65 a.C), séculos antes, escrevera a Lucílio, governador romano da Sicília, sobre os efeitos curativos que resultam das doses diárias de Filosofia: “é à Filosofia que devo minha convalescença, minha recuperação” (Carta a Lúcilio, 78).
Nessa perspectiva, para sete males, segue então a indicação de medicamentos cuja composição está à nossa disposição, se quisermos. Para o cansaço da alma exposta às exigências de uma performance de sucesso, lembremo-nos da provisoriedade da vida e fixemos, vez por outra, os olhos no céu, pois vergados ao peso do corpo, somos obrigados a fixar os olhos no chão (CF, I,3). No mundo de telas, de tiques e toques esvaziados de sentidos, voltemos a Epicuro: “Nada basta àquele para quem não basta o suficiente” (Sentenças Vaticanas, 68). Antídoto contra o narcisismo – dentre os males um dos mais letais, está na resposta à pergunta feita pela Filosofia à Boécio: “Dize-me, poderias tu, encontrar algo mais frágil que o ser humano que frequentemente morre apenas pela picada de um inseto ou por ter pegado vermes? (CF, II,2).
Também é de se estranhar certas contradições, que Sureki nos aponta, que enredam os adoecimentos. Temos acesso fácil a redes de informação, estamos conectados dia e noite e, ao mesmo tempo, há solidão e vazio, vazio e melancolia, cujos efeitos são a perda de sentido e, no limite, a demissão de si mesmo. O que fazer? Haverá algum remédio? Sim, em doses paliativas, para desfazer aos poucos tanta desordem emocional. Reencontremos espaços de amizades, ao gosto de Epicuro: “A amizade percorre a terra, anunciando a todos nós que devemos despertar para nos dar alegria uns aos outros” (Sentenças Vaticanas, 52). E como não sucumbir à voracidade das falsas urgências que, na promessa de premiar workaholics, a todos engole? Continuemos, pois, na companhia amorosa, indagativa e curativa da Filosofia, atentos aos sintomas. Para combater os males sutis, boas doses de Filosofia e de preferência saboreada com os amigos. No caso, combater não é eliminá-los – tarefa impossível – mas identificar e compreender suas raízes e delas não se alimentar.
Sílvia Contaldo é professora no departamento de Filosofia da FAJE
27/11/2025

Imagem: Shutterstock