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Para ouvir o que o Espírito diz às Igrejas

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Francys Silvestrini Adão SJ

“O desafio que transparece aqui para nós é o seguinte: Como fazer hoje o que eles fizeram naquele tempo? Como reler o nosso passado à luz da experiência atual do Espírito? Como encontrar símbolos e imagens familiares da nossa cultura e do nosso passado que nos ajudem a descobrir e a discernir o rumo do Espírito? Como manter a unidade entre a história dos povos da América Latina e a experiência da vida no Espírito das nossas comunidades?” (Carlos Mesters)

 

O artigo Descobrir e discernir o rumo do Espírito: uma reflexão a partir da Bíblia[1], de Carlos Mesters, trata de modo didático e profundo um assunto de grande atualidade para a prática de nossas comunidades eclesiais e para nossa reflexão teológica. De fato, a importância da ação do Espírito Santo na vida dos cristãos e cristãs vem sendo redescoberta nas últimas décadas, sobretudo graças ao surgimento e desenvolvimento dos movimentos pentecostais e neopentecostais. Essa redescoberta é uma Boa Nova, mas, ao mesmo tempo, exige um importante trabalho de discernimento. E justamente aí está a força e a pertinência de artigos como o deste importante biblista e evangelizador popular.

Carlos Mesters expõe, com grande clareza, o itinerário da experiência espiritual das comunidades cristãs, tal qual ele é narrado no Novo Testamento. A apresentação de quatro níveis ou enfoques convida as comunidades e grupos cristãos contemporâneos a fazerem, eles mesmos, um percurso semelhante ao das primeiras comunidades, que deixaram registrados seus acertos, mas também suas dificuldades a respeito deste assunto. Convém, assim, a todo grupo que, ao seguir Jesus de Nazaré, pretende se deixar conduzir por seu Espírito, dar os quatro “passos” expressos no artigo, que sintetizamos a seguir:

 

1) Fazer a experiência propriamente dita: trata-se, aqui, de viver e de poder narrar a experiência espiritual, saboreando a força de sua novidade.

2) Compreender a experiência: cada comunidade deve buscar palavras, imagens e símbolos, revisitando a história do povo de Deus e de seu próprio povo.

3) Discernir a experiência: deve-se confrontar a experiência vivida e compreendida com a vida de Jesus e das comunidades do Novo Testamento.

4) Explicitar as implicações teológicas da experiência: trata-se de situar essa experiência no mistério de Deus, segundo a dimensão trinitária da fé cristã.

 

Além da retomada do itinerário bíblico – proposto também a nossas comunidades atuais –, alguns elementos teológicos chamam a atenção neste artigo. Primeiramente, a abordagem pneumatológica de Carlos Mesters tem o mérito de colocar em evidência a unidade entre o projeto de salvação do Pai (fazendo referência à história de Israel), a vida e a ação de Jesus de Nazaré (critério último de discernimento de nossas práticas eclesiais) e o trabalho do Espírito nas comunidades cristãs (experiência dos homens e mulheres de fé do nosso tempo). Em segundo lugar, sua abordagem reequilibra e situa a experiência espiritual no seio de uma comunidade: a experiência do Espírito só tem sentido se for para a edificação do Corpo de Cristo, fazendo aparecer, assim, a centralidade da vivência comunitária e eliminando o risco de um subjetivismo e um individualismo espiritualistas. Finalmente, a reflexão desenvolvida demonstra grande abertura à novidade do Espírito, muito própria ao Evangelho, mas dá grande ênfase à história, lugar concreto de realização do projeto de Deus: trata-se de um verdadeiro chamado à “encarnação” da experiência espiritual, garantindo, assim, o engajamento na edificação do Reino de Deus anunciado e realizado por Jesus.

Por fim, convém destacar um último elemento bastante inspirador. O autor apresenta uma particularidade da teologia presente no Evangelho segundo Lucas e nos Atos dos Apóstolos. Nessas obras lucanas, nós vemos desenvolvidos, inseparavelmente, uma sólida teologia do Espírito e um forte apelo à opção pelos pobres. Isso pode ser notado, por exemplo, no conteúdo programático da missão de Jesus, anunciado na sinagoga de Nazaré; na conhecida insistência sobre o cuidado em relação ao uso indevido do dinheiro; os riscos apresentados pela narração da história de Simão, o mago, que deseja comprar o poder do Espírito; e a ganância econômica de Ananias e Safira, cujo comportamento repreensível revela que mentir à comunidade é mentir ao Espírito. Esse tema não deveria ser mais aprofundado, especialmente em nossas comunidades latino-americanas, onde os movimentos de libertação e os movimentos carismáticos parecem, tantas vezes, se conceber como perspectivas excludentes? Que a pneumatologia integral e engajada de Lucas nos aponte caminhos para ouvir, em Igreja, o que o Espírito nos diz por meio dos gritos de louvor e de dor presentes no meio de nós!

[1] MESTERS, Carlos. “Descobrir e discernir o rumo do Espírito: uma reflexão a partir da Bíblia”. In: FABRI DOS ANJOS, Márcio (Org.). Sob o fogo do Espírito. São Paulo: Paulinas/SOTER, 1998, p. 81-112.

 

Francys Silvestrini Adão SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Portal ASJ

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