Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
Continuando nossa série de filósofos contemporâneos que pensam a Antropologia Filosófica, depois de Charles Taylor e Paul Ricoeur, agora é a vez de Alasdair MacIntyre e o livro Animais Racionais Dependentes: Por que os seres humanos precisam das virtudes? (1999). Neste trabalho, para MacIntyre, o ser humano que encontramos nos livros de filosofia moral é sempre um adulto, racional, autônomo, independente e livre. Senhor de si mesmo, ele, raramente, é visto como frágil e necessitado dos outros. Ora, essas características chamaram a atenção do nosso autor ao estudar as virtudes e as tradições que valorizam as virtudes como fonte de crescimento humano.
Uma oração de Santo Tomás de Aquino que valoriza a nossa dependência, questiona a percepção de MacIntyre sobre a excelência humana. Reza Tomás de Aquino: Peço a Deus que me conceda a possibilidade de compartilhar o que tenho, felizmente, com aqueles que necessitam, e a possibilidade de pedir, humildemente, aquilo de que necessito a quem me puder ajudar”. Essa oração é fonte de uma intuição fundamental para MacIntyre e que ele expressa da seguinte forma: “Os seres humanos são vulneráveis a uma grande quantidade de aflições diversas e a maioria padece de alguma enfermidade grave em um ou outro momento de sua vida” (MACINTYRE, Dependent Rational Animals: Why Human Beings Need the Virtues,1999, p.1).
MacIntyre percebe, em suas reflexões, que a história da filosofia moral ocidental raramente faz referências às questões da vulnerabilidade e do sofrimento humano. A única exceção é a atual reflexão proveniente das filosofias feministas. Normalmente, o ser humano é essencialmente um animal racional e político. Mas, o humano é vulnerável e, no curso de sua vida, enfrenta muitas situações de aflição e incapacidade, temporárias ou permanentes. MacIntyre propõe a si mesmo uma tarefa propositiva neste livro, a de resgatar a nossa animalidade, nossa dependência e nossa vulnerabilidade; mas, também, nosso autoconhecimento, nossa capacidade de florescimento humano, bem como nossa compreensão dos bens e do Bem.
Nesse caminho de florescimento humano, aprendemos, paulatinamente, a ser um raciocinador prático autônomo, que aprende a sustentar suas relações pessoais, a colaborar com os outros e a compartilhar interpretações do passado, compreensões do presente e possibilidades futuras. Ou seja, aprende, socialmente, a tornar-se um animal racional social que constrói em sua vida uma rede de relações de reciprocidades, onde o dar e o receber são fundamentais. Essas redes de relações acontecem numa cultura determinada, dentro de uma certa tradição de pensamento, encarnada num contexto social, lugar de relações básicas de reciprocidade e relações hierárquicas de poder. Fundamental nesse processo é a virtude da dependência reconhecida.
Nessa interpretação, o florescimento humano, feito de conhecimento e imaginação, nos conduz ao autoconhecimento, à amizade e à empatia sociais dentro de uma tradição determinada. Tradição esta que possui bens comuns como direcionadores de nossas ações virtuosas, e que propicia o contexto social onde desenvolveremos nossas relações sociais em seus diversos níveis, através da linguagem, e sempre inserida em formas de práticas sociais. No entanto, nosso florescimento sempre se dará a partir de nossa condição animal, corporificada, situada, dependente e vulnerável. Isso não é uma limitação, mas o ponto de partida de nossa existência humana no mundo histórico.
Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE