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Por que ainda existe guerra?

Guerra, Geopolítica e Capitalismo

Elton Vitoriano Ribeiro SJ

No dia 24 de fevereiro, a Rússia começou uma guerra contra a Ucrânia. Algo pouco provável no atual contexto geopolítico da Europa, mas largamente anunciado pelos órgãos de espionagem do governo dos Estados Unidos, aconteceu. Esse ataque já é a pior crise militar na Europa desde a segunda guerra mundial. Os jornais, diariamente, apresentam as mais variadas análises sobre este evento que, associado com a pandemia do coronavírus, marca as peripécias de nosso tempo. Em momentos como esse me lembro do instigante poema de Drummond, Nosso Tempo, que diz: “Esse é um tempo de partido / Tempo de homens partidos”. Depois de tantas guerras os homens ainda não aprenderam que “A guerra é um fracasso: toda guerra deixa nosso mundo pior de como o encontrou, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal” (Papa Francisco, Fratelli Tutti, n.261).

As guerras, tristemente, fazem parte da história da humanidade. O substantivo guerra, deriva do vocabulário germânico werra, que derivou para o inglês como war, e significa discordância, peleja, uma discussão verbal que pode terminar num duelo. Os motivos de tal evento são muitos: religiosos, étnicos, ideológicos, territoriais, políticos, econômicos etc. Evidentemente, os motivos nunca são únicos e claros, na maioria das vezes vários motivos se entrelaçam num único movimento de destruição. Para exemplificar a afirmação anterior, nos tempos modernos, duas guerras forma classificadas como mundiais. A primeira guerra mundial, centrada na Europa, aconteceu entre 1914 e 1918 e matou, aproximadamente, 10 milhões de pessoas. Já a segunda guerra mundial, essa de caráter mais global, matou 50 milhões de pessoas entre 1939 e 1945. Nesses dois casos, muitos motivos foram apresentados como as causa destas guerras.

Depois desses eventos surgiu uma disputa pela liderança global entre os Estados Unidos – EUA e a extinta União Soviética – URSS, que ficou conhecido como Guerra Fria. A guerra fria começou em 1945 e durou, segundo historiadores, até 1998 com a queda do muro de Berlin. Aqui vale a pena falar de geopolítica como forma de organizar e articular estratégias e relações internacionais com o intuito de preservar os espaços geográficos dos países e seu poder político internacional. Propriamente, podemos entender a geopolítica como um conjunto de práticas, ações e discursos diplomáticos que, envolvendo os estados nacionais, visam promover a gestão e o controle dos territórios, a paz entre os países, e um bom ambiente global para os negócios e a economia.

No desejo de suscitar e promover essa cooperação internacional, no ano de 1945, foi criada a ONU – Organização das Nações Unidas. Com mais de 193 países membros, a ONU possuiu uma grande variedade de agências internacionais para os mais diversos assuntos. Com mais de 17 agências, as mais conhecidas são: FAO (alimentação), OIT (trabalho), FMI (Fundo monetário internacional), UNESCO (educação e cultura) e a OMS (saúde). A ONU possui no topo de sua organização um Conselho de Segurança que tem a missão de manter a paz entre as nações unidas. Ou nas palavras da própria entidade, a missão de promover: a paz, a dignidade e a igualdade em um planeta saudável: https://www.un.org/pt/.

Ora, se existem todos esses esforços pela paz e a segurança, se tantos homens e mulheres de boa vontade lutam pela justiça e pela sobrevivência do planeta, porque ainda existe a guerra? Por que depois de tanto sofrimento, tantas mortes e tantas sequelas históricas ainda existe a guerra? Perguntas difíceis de serem respondidas. Será a guerra e a violência algo próprio do ser humano em sua insatisfação fundamental? Serão as guerras consequências das disputas constantes entre povos e nações? Terá a guerra nascedouro na falta de diálogo, na não acolhida das diferenças e do diferente, ou na obnubilação dos horizontes de sentido que todos precisamos para viver? As perguntas e as respostas são muitas. A verdade é que nas sociedades contemporâneas, as disputas e guerras possuem um forte componente econômico. Razões econômicas tendem a ser o solo comum das disputas atuais. O problema é que para o capitalismo, a guerra não é um bom negócio.

As guerras modernas são um mau negócio. Elas são muito caras, geram grandes destruições pelo poderio militar atual e matam muita gente (trabalhadores e consumidores). Após um momento de guerra, os prejuízos financeiros são grandes: alta de inflação com a perda do valor da moeda, crescimento menor devido aos gastos com reconstrução e mortes, e os transtornos gerados no comércio global pelas perdas e divisões. Por exemplo, a OMC – Organização Mundial do Comércio, estima uma alta nos preços dos alimentos com a guerra na Ucrânia. Isso poderá acontecer pelo fato de a Ucrânia e a Rússia serem grandes produtores de trigo e milho, e a Rússia de fertilizantes usados no agronegócio de vários países.

Por serem um mau negócio as guerras, como a que estamos vendo, provocam sérias sanções financeiras: bloqueio de investimentos, diminuição nas transações comerciais e crise na produção são alguns exemplos. A ideia principal das sanções é dupla. Por um lado, diminuir a fonte financeira que abastece a máquina de guerra. Por outro lado, afetar cada indivíduo, especialmente, afetando as famílias com, por exemplo, a falta e escassez de produtos, principalmente alimentar. Tudo isso para aumentar a pressão interna aos países em guerra, em prol de uma mudança de rumo. Ou seja, dispositivos biocapitalistas são importantes neste torvelinho de ações e pressões.

Finalmente, diante de qualquer guerra, as grandes e as cotidianas, uma lição pode ser aprendida. Essa lição foi bem expressa pelo Papa Paulo IV, na sua Mensagem para a celebração do Dia da Paz em 1971: “Se queremos a paz, trabalhemos pela justiça”. Uma sociedade justa, fraterna e acolhedora da diversidade, em todos os níveis, é a melhor vacina contra toda e qualquer guerra que ameace a humanidade.

Elton Vitoriano Ribeiro SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e Reitor da FAJE

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