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Por um punhado de niilismo em nossas vidas

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Bruno Pettersen

 A dor e os aspectos negativos da vida nos são frequentemente negados.

Existem vários momentos na vida contemporânea em que a sociedade atual nos priva da oportunidade de vivenciar a dor. Um dos casos mais notáveis é o fato de que a morte é geralmente excluída da esfera privada e frequentemente vista como um evento hospitalar. Tal fenômeno ocorreu devido ao enorme sucesso técnico da Medicina em muitas vezes contornar algo, que antes era incontornável. Mas, com isso, a morte deixou de figurar na vida privada das pessoas e quase sempre é muito estéril, acontecendo em ambientes pouco familiares e acolhedores, repleta de sons e luzes fortes. Não há um espaço na vida atual para percepção da finitude humana através da morte.

Em outro cenário, buscamos incessantemente evitar ao máximo o sofrimento em nossa vida mental. Com frequência, tenho a sensação de que todas as manifestações de ansiedade, angústia, tédio e mal-estar devem ser evitadas a qualquer custo. Muitas vezes, recorremos a respostas médicas, psiquiátricas e psicológicas para lidar com a dor, e não tenho dúvidas de que, em muitos casos, o sofrimento mental deve ser abordado como uma questão médica. No entanto, em outras situações, o sofrimento constitui um dos aspectos fundamentais da experiência humana: a ansiedade e a angústia são partes intrínsecas da vida humana. Sempre recordo as palavras de Søren Kierkegaard, que afirmava que “[a angústia é] uma jornada pela qual todos devemos passar para evitar nos perdermos, seja por nunca ter sentido angústia, seja por nos deixarmos afundar nela”. Não sentir angústia, inquietação ou ansiedade não é algo natural, e ao eliminarmos completamente esses sentimentos de nossa vida, perdemos uma parte essencial do que somos.

Uma das áreas em que a negação da dor e a consequente promoção da positividade são mais evidentes é no ambiente das redes sociais, especialmente no Instagram. Nesse espaço, a vida é marcada pela positividade, pela seleção cuidadosa de palavras, fotos e vídeos que destacam e, às vezes, até criam os nossos melhores aspectos. Se as redes sociais fossem apenas uma representação parcial da vida humana, isso não seria um problema; no entanto, o que elas parecem revelar é um desejo de que todos os aspectos da vida deveriam ser positivos e que a negatividade deveria ser retirada da vida.

Esse excesso de positividade e a evasão da dor são características fundamentais da sociedade contemporânea, conforme diagnosticado por Byung-Chul Han em sua obra A Sociedade do Cansaço.

Ele nos conta que:

Esses estados psíquicos são característicos de um mundo que se tornou pobre em negatividade e que é dominado por um excesso de positividade. Não são reações imunológicas que pressuporiam uma negatividade do outro imunológico. Ao contrário, são causadas por um excesso de positividade. O excesso da elevação do desempenho leva a um infarto da alma. (pg. 37)

Concordo com ele: o nosso mundo ocidental está carente de negatividade, mas, especialmente, da compreensão de nossas limitações. No entanto, para além do diagnóstico preciso de Han, acredito que deveríamos, como sociedade, nos voltar para momentos de contemplação, introspecção e para uma compreensão mais profunda de nossas limitações e dores.

De certo modo, deveríamos nos permitir momentos de niilismo, compreendendo que as coisas não necessariamente precisam ter sentido, que nossas crenças, sonhos e amores são construções muitas vezes desprovidas de um substrato real. Essa percepção da falta de sentido poderia nos libertar da ideia de que nossas ações precisam ter um propósito maior: podemos nos divertir, amar, odiar e sofrer sem necessariamente buscar um significado maior em tudo isso.

Nesse sentido, por vezes conseguiremos superar nossas falhas, dores e desapontamentos, enquanto em outras ocasiões não. E isso faz parte da jornada humana. E nada disso precisa ter um propósito maior. Em diversas oportunidades, nossas verdades, sonhos e desejos podem, de fato, se concretizar, nossos amores podem ser intensos, nossos prazeres podem ser extasiantes. No entanto, para que esses momentos tenham significado, precisamos também reconhecer que a dor faz parte de nossa existência.

A falta de sentido e a dor são componentes intrínsecos de cada um de nós; evitá-los não nos beneficia. É importante lembrar que iremos morrer, que nem sempre seremos bem-sucedidos em nossas ações, e que o mundo nem sempre terá coerência. A busca constante pelo êxtase nos impede de experimentar toda a complexidade da vida.

Ao aceitar isso, nossas vitórias e derrotas terão um sabor diferente, nem maior, nem menor do que antes, apenas diferente. Sinto, portanto, a necessidade de recordar o que Blaise Pascal nos dizia: “No fundo, o que é o homem na natureza? É nada em relação ao infinito, é tudo em relação ao nada, algo intermediário entre o nada e o tudo.”

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

Crédito da foto: Noah Silliman – Unsplash

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