Alfredo Sampaio Costa SJ
Gilles Cusson estudou profundamente a dinâmica dos Exercícios. Seguindo seus escritos[1], ilustraremos alguns dos princípios geradores de espiritualidade e pedagogia:
Primeiro princípio: alternância ritmada entre tempos de crescimento e pausas: o desenvolvimento do itinerário inaciano radica-se em um dinamismo de crescimento e discernimento típico, que consiste em um alternar-se progressivo de movimentos de avanços e tempos fortes de reflexão e discernimento[2], uns exigindo os outros em uma espécie de escalada, que precede o movimento dos Exercícios (e introduz neles) e o prolonga indefinidamente (na contemplação chamada “Para alcançar o Amor”). O itinerário dos Exercícios é comparável a uma escalada numa montanha, uma subida em espiral onde encontramos sempre os mesmos horizontes, mas contemplados de alturas diversas, desde novos ângulos em uma outra luz e numa atmosfera muito mais purificada[3].
Segundo princípio: Um seguimento sempre mais personalizado: A experiência que os Exercícios propõem é ao mesmo tempo pessoal e universal. Pessoal, porque atinge o homem na sua situação concreta, atual. Mas suscitada e informada pela potência da mensagem divina, que se apresenta no seu universalismo, transformando-se em uma experiência de caráter cósmico, que situa e compromete este homem no conjunto do plano divino[4].
Assistimos, assim, a um movimento duplo: o universali lumina o pessoal e o particular è situado na Verdade total de Deus. Esse movimento ora de subida ora de descida, em alternância contínua, corresponde ao movimento mais profundo do nosso ser criado. A experiência dos Exercícios toca esse movimento em um momento privilegiado, onde a luz de Deus suscita e dirige o compromisso consciente e generoso do exercitante. O progresso nos Exercícios se faz possível graças à contínua passagem do univresal ao particular, do plano objetivo àquele subjetivo, em uma relação de mútua interdependência[5].
Terceiro princípio: Examinar-se sempre: Todos nós devemos retomar permanentemente as experiências que vivenciamos. Esta convicção é confirmada nos Exercícios pelo grande espaço e importância que é dado a dois tipos de exercícios: os exames (nas suas formas variadas) e a chamada “repetição” inaciana.
Os exames são o ponto basilar dos Exercícios e, ainda hoje, o sinal mais seguro da fidelidade à tradição espiritual de Inácio. A convicção que está por trás de todas as séries de exames apresentados nos Exercícios é esta: vivemos projetados para o futuro, mas só compreendemos quem somos voltando ao nosso passado. Os acontecimentos que vivemos não têm, por si mesmos, nenhum valor. O que conta é como os fazemos “nossos”, conferindo a eles um sentido. Quem não retorna a tudo o que viveu permanece na superfície de si mesmo. É preciso, portanto, deter-se, tomar consciência de tudo o que vivemos e encontrar tempo de repeti-lo a nós mesmos: este é o pressuposto necesário para que sejamos formados através das experiências da vida.
Quarto princípio: A implicação do homem inteiro: Os Exercícios espirituais pedem uma resposta global de quem os faz: trata-se de chegar a uma opção que englobe a pessoa inteira[6]. No dinamismo dos Exercícios, todas as potências do ser humano estão implicadas: intenções, ações e operações devem estar ordenadas puramente ao serviço e louvor de sua Divina Majestade (EE 46). Somos chamados a oferecer “toda minha liberdade, meu entendimento e toda a minha vontade” (EE 324).
Inácio deixa entrever isso em um trecho de uma sua carta a Manuel Sánchez: “É nosso dever para com Aquele que é nosso fim último e suma bondade infinita dirigir somente a Ele todo o nosso amor e amá-Lo em todas as criaturas, pois muito o merece Aquele que nos criou a todos, a todos nos redimiu dando-nos a Si mesmo totalmente. Com razão, portanto, não quer que lhe entreguemos só uma parte de nós mesmos, já que Ele se deu a nós inteiramente e quer dar-se inteiramente”[7].
Quando Inácio pensa no homem, ele imagina o homem inteiro em movimento na direção do seu Criador! Por isso não somente todas as potências da alma são utilizadas nos Exercícios de meditação (a memória, a inteligência e a vontade), mas, em seguida, trata-se ainda de aplicar também os sentidos nas repetições ao fim da jornada, nos colóquios no final de cada exercício de oração, ou dedicando um exercício inteiro a isso: eis a chamada “aplicação de sentidos” proposta para o fim do dia na segunda semana dos Exercícios[8].
A pedagogia inaciana é, por excelência, uma pedagogia do desejar e do “magis”. O contato livre e autêntico com a identidade profunda de si, tornada possível pela familiaridade madura com os próprios desejos, constitui um elemento fundamental do crescimento e da fecundidade humana, apostólica e espiritual, presente e futura. A dinâmica do desejo tem esse particular: por um lado, è portadora de um intenso reclamo à fidelidade e à integridade do ser pessoal mais original; por outro, isso se dá através da acolhida cheia de reconhecimento daquilo que eu não sou, daquilo que falta à plenitude existencial pessoal e que acende e impregna o coração numa busca amorosa sempre mais livre da vontade de poder […] Pode-se, pois, compreender o desejo como sendo uma abertura essencial à realidade, à alteridade e à diferença, da qual ele é gerador e portador […] O desejo abre a uma ética da hetero-transcendência, pois não alcançamos nunca a nós mesmos sem o outro[9].
O reconhecimento do significado pedagógico fundamental dos Exercícios, verdadeiro e próprio método concentrado de educação da vontade, de onde podemos extrair as mais típicas conotações da aproximação inaciana à educação, já tinha sido explicitado por M. Barbera na sua introdução à Ratio Studiorum[10]. Também A. Pignatelli afirmou que “o educar moral e espiritualmente” e o “instruir nas ciências e letras” deve ser “não só iluminado pelos Exercícios, mas igualmente inspirado por eles”[11].
As ideias de tarefas e de desenvolvimento, tão presentes no campo educacional, incluem noções como “direção”, “ordem”, “gradualidade”[12], que apresentam certamente grande compatibilidade com a impostação inaciana do “exercício”. A cadeia, sequência ou progressão ao longo da qual se extende o caminho prescrito está constituída de outras tantas ocasiões de autopromoção e crescimento do sujeito, sempre conduzidas de modo a tornar evidente, explícita e interiorizável a relação fundamental com um fim-valor de orientação[13].
A noção de “exercício espiritual”, que abre o livrinho dos Exercícios (cf. EE), afasta-se de uma acepção meramente “ginástica” e se aproxima mais a uma noção mais integradamente “esportiva” de potencialização finalizada a um caminho pessoal de interpretação e de recriação do objetivo. Delineia-se, portanto, uma específica sequência, evento – releitura – silêncio – palavra pessoal, capaz de conduzir, na progressão paradigmática de experiência-ação-reflexão, à meta da personalização[14].
“Uma das dinâmicas fundamentais dos Exercícios Espirituais é o convite contínuo a refletir sobre a experiência vivida na oração com o objetivo de discernir para onde nos conduz o Espírito de Deus. Inácio pede insistentemente que se reflita sobre toda a experiência humana, pois este é um instrumento essencial para verificar a sua validez”[15].
Carlos Vásquez aprofundou o enfoque personalizado dos Exercícios Espirituais, fazendo uma leitura atenta e refletida sobre as chamadas “Anotações” que abrem o livrinho dos Exercícios (EE 1-20). Essas preciosas anotações, escritas para aquele que “dá” os Exercícios, estabelecem como, na metodologia dos Exercícios, tudo vai se dando na relação com Deus na oração, verificada e examinada com a ajuda do acompanhante, discernindo juntos por onde o Senhor vai conduzindo a pessoa. Muitos educadores as consideram como um autêntico manual de educação centrado na pessoa[16]. Lendo esses números, entendemos qual é o papel de quem acompanha e como o respeito pelo caminho percorrido pelo exercitante é fundamental para que ele possa alcançar seus objetivos.
O que se dá na experiência dos Exercícios se repete em todo itinerário formativo inaciano.
Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
[1] Seguiremos de perto o trabalho de Gilles CUSSON, Les alternances dynamiques de l’itinéraire des Exercices, CahSpIg 10 (1986) 29-39.
[2] Gilles CUSSON, Coordonnées pédagogiques de la démarche ignatienne des Exercices. CahSpIg 25 (2001) 285.
[3] Hervé COATHALEM, Commentaire du livre des Exercices, DDB, Paris 1965, 152.
[4] Pessoal, ela não se fecha nunca somente sobre a situação presente, mas precisa o ajustamento muito concreto que ela propõe à eleição do exercitante, sob a ação do Espírito. Universal, uma vez que liga diretamente a situação pessoal ao fim supremo que abraça toda a criação de Deus. Medido a partir de Deus como ser pessoal, atual, o exercitante se situa em um universo que o ultrapassa e solicita, onde ele encontra um lugar sempre novo que ninguém mais poderá ocupar.
[5] Adroaldo PALAORO, A Experiência espiritual de Santo Inácio e a dinâmica interna dos Exercícios. Loyola, São Paulo 1992, 60.
[6] Cf. Francisco José RUIZ-PÉREZ, Teologia del camino. Santander / Bilbao 2000, 61.
[7] MI Epp. I, 513-515.
[8] Cf. Francisco José RUIZ-PÉREZ, Teologia del camino. Santander / Bilbao 2000, 63-66.
[9] Cf. Secondo BONGIOVANNI, “Didattica e Filosofia: all’ascolto degli Esercizi Spirituali”, 49 – 50.
[10] Padova 1942, p. 3ss.
[11] A. PIGNATELLI, “Il Collegio della Compagnia di Gesù e la educazione in esso incentrata”, in Esperienze di pedagogia cristiana nella storia (a cura di P. Braido, Roma 1981, I, 90-91.
[12] N. PAPARELLA, “Il compito di sviluppo: una nuova categoria ermeneutica”, in Realtà e forme dell’insegnamento, a cura di C. Scurati, Brescia 1990, 73ss.
[13] Cf. Cesare SCURATI, “Attualità della Pedagogia Ignaziana”, in La Pedagogia della Compagnia di Gesù. Atti del Convegno Internazionale. Messina 14-16 novembre 1991 (a cura di F. Guerello – P. Schiavone), ESUR, Ignatianum, Messina 1992, 251-252.
[14] Cf. Cesare SCURATI, “Attualità della Pedagogia Ignaziana”, 260.
[15] PPI, n. 25.
[16] Carlos VASQUEZ, El enfoque personalizado y el acompañamiento personal en las anotaciones de los Ejercicios espirituales de Ignacio de Loyola, 1. Dal sito “Centro Virtual de Pedagogia ignaciana”, http://www.pedagogiaignaciana.com/admin/bibliografias.php accesso effettuato il 3 ottobre 2008.