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Qualidades necessárias para conversar espiritualmente e assim poder ajudar as almas

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Alfredo Sampaio Costa SJ

Ser um “conversador espiritual” requer algumas qualidades. Podemos resumi-las com Thomas Clancy nos seguintes pontos[1]:

1)Uma certa capacidade natural que Inácio chamava de “gracia de hablar” (cf. Const. 157): Esta capacidade de saber tratar com todo tipo de pessoas é algo muito necessário para quem é enviado ao mundo todo para dialogar com toda espécie de crenças e culturas. Inácio, ao fundar a Companhia, assinalou isso como essencial ao jesuíta, que deve “entrar em contato com pessoas tão diferentes e em territórios tão variados” (Const. 414). Para Polanco, esta habilidade e capacidade de tratar com os outros era algo que a pessoa trazia desde o nascimento: “Esta habilidade é seguramente muito mais um dom natural que algo a ser aprendido. Se uma pessoa não possui essa destreza natural para tratar com os homens, ela não será geralmente um bom candidato para a Companhia, a menos que essa fraqueza não seja copiosamente compensada por graças divinas[2].

2) Modéstia no trato com as pessoas (Cf. Const.  250): Inácio desejava que o jesuíta fosse sempre em grau de traduzir no seu modo exterior de apresentar-se a paz e a humildade que eram fruto de uma fé profunda e de um compromisso com Deus. Nessa direção devemos entender o porquê muitas das instruções que Inácio escreveu para os jesuítas contêm uma sutil mistura de atitudes espirituais e conselhos sobre a postura corporal. Vejamos juntos esse belo texto das Constituições:

“Todos tenham um cuidado especial em guardar com muita diligência de toda desordem as portas dos sentidos (sobretudo dos olhos, das orelhas e da língua), em se manter na paz e na verdadeira humildade da alma, e de mostrá-la no silêncio, quando convém observá-lo. Quando, depois, se deve falar, procurem mostrá-la na consideração e na edificação das palavras, na modéstia do rosto e na maturidade no caminhar e em todos os movimentos, evitando todo sinal de impaciência e de soberba. E junto a isso, procurem e desejem dar precedência aos outros em todas as coisas, interiormente estimulando a todos como se fossem superiores a si mesmos, e exteriormente demonstrando, com modéstia e simplicidade religiosa, o respeito e a deferência que o estado de cada um requer. De tal modo acontecerá que, considerando uns aos outros, cresçam em devoção a louvem a Deus N. S., que cada um deve procurar reconhecer no outro como sua imagem”. [Const. 250]

Neste texto podemos ver a pessoa em todas suas relações fundamentais: consigo mesma, com os outros e com o Senhor. Isso vale para todos e todas que querem conversar espiritualmente!

3) Zelo e Amor pelo próximo (Cf. Const. 156): Nas suas diversas instruções aos missionários, Inácio mesmo sempre lembra a importância de manter vivo o desejo pela salvação do próximo. Vejamos um exemplo: “O que antes e principalmente ajudará será o confiar com grande magnanimidade em Deus, desconfiando em tudo de si mesmos, e tendo um desejo ardente, suscitado e fomentado pela obediência e pela caridade, de conseguir o fim proposto”.

Inácio era de parecer que não era possível formar apóstolos se eles não tivessem esse amor ardente pelos demais homens. Como comentava Araoz: “Nosso Pai [Inácio] tinha uma tão grande consideração pela conversação espiritual na qual os seus filhos falavam com os seus companheiros, que ele dizia que esse era um dos melhores meios para obter um favor especial de Cristo N.S. dizia que o zelo (hambre) pelo próximo era um sinal claro de um grande progresso no Senhor[3]. Esse “querer o bem do outro”, esse aproximar-se do outro para ajudá-lo a encontrar a sua vocação, o seu modo de responder a Deus na sua vida concreta, esse era o zelo apostólico que ardia no coração de Inácio e seus companheiros. Esse mesmo zelo movia as conversações espirituais nas suas várias modalidades.

4) Ser capaz de se adaptar à pessoa, “entrando pela sua porta para sair pela nossa”. Já dizia S. Paulo: “Tornei-me tudo para todos a fim de que eu pudesse ganhar a todos para Cristo” (1 Cor 9,22).  A instrução a  Salmeron e Broet tratará de desenvolver esse ponto:

“Em todas as conversações, querendo ganhar algum para introduzi-lo na rede para a maior glória de Deus, observamos a mesma ordem que o inimigo usa com a alma boa, ele todo para o mal, nós totalmente para o bem. O inimigo entra pela porta do outro e sai pela sua; entra não contradizendo os seus hábitos, antes louvando-os; familiariza-se com a alma, atraindo-a a bons e santos pensamentos portadores de tanta paz para a alma boa; e pouco a pouco procura sair pela sua porta, conduzindo-a sub specie boni [sob aparência de bem] a algum erro ou ilusão, para desembocar sempre no mal. Assim nós podemos para o bem louvar e consentir com alguma coisa particular boa, dissimulando sobre as outras más. Cativando o afeto do outro, melhoraremos as nossas relações, e assim entrando pela sua porta sairemos pela nossa”[4].

A adaptabilidade e flexibilidade foram sempre um sinal distintivo do apostolado dos primeiros jesuítas.

5) Ser paciente: saber quando escutar e quando permanecer em silêncio. Uma parte importante nesse ministério da conversação espiritual é aprender a escutar. Assim escreve Inácio aos padres enviados a Trento: “Serei lento no falar, assíduo em escutar e calmo com a finalidade de sentir e conhecer os pensamentos, os afetos e os quereres daqueles que falam para poder melhor responder ou calar”[5]. São Pedro Canísio nos ajuda a entender como deve se desenrolar a conversação:

“Causam dano as coisas que se fazem e se dizem com um impulso ou alteração violenta do espírito, com uma espécie de arrogância ou soberba, com indícios de ligeireza, audácia, timidez, violência, falta de modéstia, vaidade e, em suma, tudo quanto venha contrariar a simplicidade, moderação e maturidade religiosas. Causam dano as palavras que se dizem com ligeireza, sem a suficiente reflexão, e ainda mais as polêmicas, que são derramadas por espírito de contradição, ou as palavras mordazes com as quais se fere, ainda que de modo leve, as pessoas ausentes. Causa dano tudo aquilo que se diz seja no café da manhã seja nas conversas privadas – e ainda mais nos sermões e nas práticas – sobre os defeitos das autoridades civis e religiosas… Quando se deve falar, o modo de se exprimir deve levar em consideração a edificação das palavras, deve mostrar a modéstia no rosto e a maturidade em caminhar e todos os movimentos, sem nenhum sinal de impaciência ou de soberba”[6].

Aqui Canísio reporta o exemplo do mesmo Inácio:

“Ele escutava com gosto até o fim sem interromper, quando os outros falavam, e nunca se referia na sua conversação ordinária aos defeitos dos outros … e se alguém contava coisas más que um outro tinha feito, ele o mitigava e desculpava com simplicidade. Ao tratar com as pessoas das coisas ordinárias falava pouco e refletidamente, era discreto no louvar e muito mais ainda nas correções. Nas suas palavras e nas suas obras unia uma singular prudência com uma extraordinária modéstia, guardando sempre uma suma tranquilidade de espírito, a qual reforçava sempre com o frequente exame de consciência”[7].

PARA REFLETIR:

Qual destas qualidades sinto mais falta em mim? Pedir ao Senhor na minha oração.

Recordar, com afeto, as vezes em que experimentei em mim estas qualidades.

[1] Cf. Thomas CLANCY, The Conversational Word of God, especialmente as páginas 14-32.

[2] Pol. Compl. II, 800.

[3] FN I, 189.

[4] Carta a Broet e Salmerón. Setembro de 1541, MI Epp I, 179-181.

[5] MI Epp I, 386.

[6] SÃO PEDRO CANISIO, Lettera a Claudio Acquaviva, 180-181.

[7] Idem.

Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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