Luiz Sureki, SJ
Com essa frase, o escritor estadunidense Jackson Brown Jr, falecido em 2021, concluía uma reflexão poético-existencial, em que, falando sobre aprendizado na vida, escrevia:
“Eu aprendi:
– que a melhor sala de aula do mundo está aos pés de uma pessoa mais velha;
– que ter uma criança adormecida nos braços é um dos momentos mais pacíficos do mundo;
– que ser gentil é mais importante do que estar certo;
– que eu sempre posso fazer uma prece por alguém quando não tenho a força para ajudá-lo de alguma outra forma;
– que não importa quanta seriedade a vida exija de você, cada um de nós precisa de um amigo brincalhão para se divertir junto;
– que algumas vezes tudo o que precisamos é de uma mão para segurar e um coração para nos entender; […].
– que ignorar os fatos não os altera;
– que o amor, e não o tempo, é que cura todas as feridas;
– que ninguém é perfeito até que você se apaixone por essa pessoa; […].
– que quanto menos tempo tenho, mais coisas consigo fazer.”
Sem entrar numa discussão filosófica aprofundada acerca da pretensão de verdade, correção e veracidade desses enunciados de aprendizado aqui selecionados, me ocorreu fazer uma breve consideração especialmente sobre o último deles.
Já fiz experiências várias em que percebi que o tempo que precisava para concluir determinada tarefa dependia do tempo que eu tinha me dado ou que era me dado para concluí-la. Se o tempo de que eu dispunha era de uma semana para conclusão da tarefa, a concluía ao final daquela semana; mas se fosse de um mês ou de um semestre para concluir a mesma tarefa, só a concluía ao final daquele mês ou daquele semestre. Poder-se-ia até evocar aqui ironicamente o dito popular que diz: “o brasileiro costuma deixar tudo para última hora!” Deixar tudo para a última hora é correr o grande risco de ter que correr contra o tempo de modo mais acelerado que o desejável, gastar mais energia do que o recomendável, ter que improvisar e, por fim, perder a qualidade do produto.
A experiência também mostra que a possibilidade de concluir uma tarefa antes do tempo previsto aumenta exponencialmente quando pensamos, condicionalmente, numa espécie de recompensa. Por exemplo, se eu terminar o que preciso fazer três dias antes, na quinta-feira, poderei fazer um passeio pela Serra do Cipó no final de semana. Recordo que quando criança fiz muitas vezes meus trabalhos de escola já na sexta-feira para ter todo o resto do final de semana para brincar. Mas, outras vezes, fazia logo as tarefas escolares na sexta porque gostava delas! Além disso, o conteúdo das aulas estava ainda muito presente na mente, de modo que eu já percebia que me custava menos tempo para responder às questões na sexta do que no domingo!
Essas memórias juvenis saudosamente evocadas não nos ajuda muito a perceber a diferença entre produzir algo de “última hora” e concluir na “última hora” algo que vinha sendo gestado por longo do tempo. Não se trata aqui de uma apologia (merecida) ao sábio provérbio popular que diz: “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”. Há muitas coisas que se fizéssemos hoje estaríamos abreviando um processo que exige mais tempo para serem concluídas com êxito. Há, por exemplo, decisões a serem tomadas que exigem mais tempo de reflexão, e que se forem/fossem tomadas hoje, sob a falsa motivação de que assim ficaríamos livres delas amanhã, poderiam se revelar precipitadas, prematuras, insensatas, com consequências futuras indesejáveis.
Por outro lado, também é verdade que pode haver decisões a serem tomadas hoje que já deveriam ter sido tomadas há mais tempo, e que estamos procrastinando a decisão sob a falsa representação de que o problema haverá de se resolver por si só com o tempo. A total indecisão pode ser muito pior que uma decisão precipitada, simplesmente porque aquele que nada decide não tem nada a aprender! Aprendemos muito com nossas decisões, sejam acertadas, sejam, por vezes, equivocadas.
Voltemos, pois, ao enunciado inicial: quanto menos tempo tenho, mais coisas consigo fazer, e nos perguntemos, em primeira pessoa: será que muitas das coisas que consigo fazer, realizar, concluir em pouco tempo, as faço, realizo e concluo todas e igualmente com a mesma qualidade e profundidade que as faria, realizaria e concluiria se tivesse mais tempo para fazê-las, realizá-las e concluí-las? Por exemplo: será que o que eu acabei de escrever sobre este tema, gastando no total quatro horas para concluir o texto, poderia ter sido feito igualmente em quarenta minutos? E, por outro lado, será que essa reflexão ganharia muito em profundidade, interesse e relevância se o tempo que eu tivesse para escrevê-la fosse, ao invés de quatro horas, quatro dias? Bem, o leitor, na verdade, nunca saberia. O que se pode em princípio afirmar pela experiência que temos é que fazer as coisas às pressas costuma ser sinônimo de fazê-las malfeito. Um outro provérbio bem conhecido nosso diz que ‘a pressa é inimiga da perfeição’.
Que estamos hoje fazendo muito mais coisas em menos tempo, isso é um fato. Mas o ritmo acelerado que estamos nos impondo ou que nos é imposto para produzir, gerar, criar, duplicar, multiplicar, inventar sempre novos produtos para o insaciável mercado de consumo é insano. É verdade que nunca tivemos meios de transportes tão rápidos, nem um sistema de comunicação tão “instantâneo” e eficiente como os que temos hoje, mas também é verdade que nunca nos sentimos tão sem tempo, isolados e solitários como hoje.
Uma das nossas principais reclamações é a falta de tempo. Gostaríamos de fazer muito mais coisas, mas, infelizmente, não temos tempo. O problema é que entre essas outras coisas que demandam o tempo que não temos estão a paciência, amizade, maturidade, discernimento, descanso, sabedoria e, não por último, paz interior. O aumento exponencial do número de pessoas apressadas, desagua no aumento igualmente exponencial da impaciência, inimizade, imaturidade, stress, indiferença, ignorância e agitação espiritual.
É preciso lembrar ao poeta que também o amor precisa de tempo para curar as feridas. Quem não tem tempo a perder, acaba perdendo o tempo que tem e, com ele, a sua vida! Estar preocupado em fazer muitas coisas não significa ter escolhido bem o que fazer, sobretudo quando uma só coisa importa. “Marta, Marta, tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária”: a que Maria escolheu! (cf. Lc 10, 41-42). É preciso dar tempo ao tempo e valorizar mais o tempo presente. Ele é um dom, uma dádiva, por isso se chama “presente”!
Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE