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Quem precisa do Estoicismo?

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Bruno Pettersen

O estoicismo foi uma das filosofias mais populares em Roma e, neste momento, parece estar em alta na sociedade. Por quê?

Apesar de eu não ter dados concretos sobre a popularidade do Estoicismo nos dias de hoje, tenho encontrado uma enorme quantidade de novos livros sobre o assunto, bem como a republicação de clássicos, especialmente voltados para o público em geral. No mês passado, durante uma visita a uma livraria, vi toda a prateleira superior ocupada por livros dos estoicos. Além dos livros, tenho visto com muita frequência vídeos e ensaios no YouTube, bem como pequenos fragmentos de informação espalhados por todas as redes sociais com discussões sobre o estoicismo.

Tenho achado curiosa essa prevalência do tema, especialmente porque ao longo dos anos tenho me dedicado aos adversários dos estoicos, os céticos. Sim, o ceticismo também se tornou uma palavra comum nos dias de hoje, superando em muito a própria ideia estoica. Mas isso aconteceu porque a ideia de ceticismo parece ter se ligado ao que Descartes chamou de “ceticismo metódico”, uma espécie de prática de investigação associada ao caráter crítico da ciência. Assim, se o ceticismo prevalece hoje, ele o fez com base em uma série de processos históricos de desenvolvimento do conhecimento humano.

Mas e a ressurgência do estoicismo? Parte da explicação é que o estoicismo é um tipo de “sabedoria prática”, uma reflexão que pode ser aplicada na ação para resolver problemas tanto pessoais como sociais. Essa pretensa atualidade de filosofias como o estoicismo está relacionada ao fato de que a filosofia acadêmica, realizada nas faculdades, é pouco ou quase nada prática. A filosofia que produzimos intramuros é feita a partir de uma estrutura textual e reflexiva tão técnica que não é acessível ao público geral. Compare um artigo publicado em uma revista de alta qualidade na área da Filosofia, com as afirmações de estoicos populares hoje, como Marco Aurélio ou Epíteto:

Você tem poder sobre sua mente – não sobre eventos externos. Perceba isso e encontrará sua força. – Marco Aurélio

Algumas coisas estão sob meu controle e outras não. – Epíteto

Essas frases são infinitamente mais aplicáveis à vida das pessoas do que qualquer artigo que eu possa escrever sobre os detalhes do conceito de “representação apreensiva” nos escritos dos estoicos. Veja que o último conceito faz parte da teoria estoica, mas como tem pouca relação com temas de sabedoria prática, fica de fora da reflexão pública. Isso quer dizer que as pessoas têm lido mais estoicismo porque ele é mais simples do que o conhecimento universitário? Não. Dizer isso seria simplesmente manter um típico chauvinismo, uma arrogância comum do conhecimento acadêmico. Minha tese sobre a popularidade do Estoicismo é diferente: ela é uma teoria da aceitação.

Parte fundamental da teoria estoica diz respeito à capacidade do “sábio” ser capaz de conhecer a realidade, onde para ele uma decisão só pode ser tomada com base no conhecimento. No entanto, ao conhecer a realidade, o sábio nota que existem aspectos que não podem ser alterados e outros que podem. O conhecimento implica em aprender a aceitar aquelas coisas que não podem ser mudadas, portanto, devemos aceitá-las. Em um ambiente social complexo e vasto como o que vivemos, é certo que encontraremos barreiras aparentemente intransponíveis. Imagine alguém vivendo na Roma Imperial, um dos maiores e mais brutais impérios que a raça humana já ergueu. Diante de Roma, o que somos nós? É necessária uma filosofia que nos ensine a aceitar que a realidade é mais ampla e que há aspectos dela que não podemos mudar. Foi nesse ambiente que o estoicismo floresceu pela primeira vez.

De certa forma, o sistema capitalista ocidental é tão ou mais poderoso e brutal do que qualquer império humano já criado. As pessoas se sentem incapazes de se posicionar reflexivamente diante do gigantismo do império da sociedade atual. A solução é aprender a aceitar. Esse tipo de filosofia promete aliviar as dores da vida ao aceitar aquilo que não pode ser mudado. Penso que isso gera uma sensação de engano duplo: primeiro, as pessoas ficarão passivas diante do todo e estarão prontas para aceitar o que o sistema econômico-social lhes ordenar; segundo, essa filosofia implica que já conhecemos realmente o mundo e que sabemos que algo não pode ser alterado. Mas quem disse que não pode ser alterado? Ou quem pode realmente afirmar que conhecemos a realidade?

O estoicismo gera passividade e autoengano. É possível, sim, tentarmos mudar nosso entorno. Acredito que, para o bem da sociedade e de nossa própria sabedoria prática, devemos ter esperança na mudança, mesmo que o mundo pareça inevitável. Sigo aqui de perto uma das escritoras que mais gosto, a norte-americana, Ursula Le Guin: “Vivemos no capitalismo. Seu poder parece inescapável. Assim como foi o direito divino dos reis.” Portanto, mais cedo ou mais tarde, mesmo impérios inabaláveis, subjetivos ou políticos, como as nossas dores ou o Romano, eventualmente podem ser mudados.

 

Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

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