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Quem tem medo da fragilidade humana?

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Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

Nos últimos meses, a imprensa apresentou notícias de problemas de saúde de vários líderes de nossa sociedade. Nada de novo nisso. Líderes políticos e religiosos, como todos nós, são pessoas que vivem os percalços e as vicissitudes de nossa condição humana. Mas, o que chama a atenção, é a forma como essas notícias são anunciadas. Primeiro, tenta-se esconder e depois negar. Em seguida, dizem que é um procedimento de rotina. Finalmente, admite-se o problema de saúde quando a internação é inevitável. Apresenta-se o quadro, sempre fazendo questão de dizer que a pessoa descansou bem, e que em breve deverá retomar o trabalho, que o problema foi resolvido e que tudo está em sua mais completa normalidade. A mesma dinâmica, invariavelmente, acontece em nossas vidas.

Ora, essa dinâmica de esconder, escamotear ou minimizar nossos percalços, é só isso mesmo? Não tem, como pano de fundo, um ideal sobre-humano que, mais do que nos ajudar em nosso processo de humanização, acaba nos desumanizando e nos cegando para nossas dores e as dores alheias? Um ideal de perfeição, fortaleza, beleza e brilhantismo, tão exigidos por nossa cultura contemporânea e tão almejado por cada um de nós, não nos torna menos sensíveis à vulnerabilidade humana e à incapacidade que caracteriza nossas vidas, especialmente, na infância, na velhice e em momentos de enfermidade física e psíquica?

Poucos filósofos e antropólogos se preocupam com os questionamentos anteriores. Mas, um deles, Alasdair MacIntyre, colocou essas questões no centro de sua reflexão antropológica ao escrever “Animais Racionais Dependentes – Por que os seres humanos precisam das virtudes?”. Para o filósofo, a vida humana é marcada pela dependência mútua. Dependência em momentos de fragilidade e vulnerabilidade, dependência nos processos de autoconhecimento e crescimento humano. Somos animais racionais dependentes.

Quem abriu os olhos de MacIntyre para essa realidade foi São Tomás de Aquino, que numa oração rezou: “Peço a Deus que me conceda a possibilidade de compartilhar, com alegria, o que tenho com aqueles que necessitam, e a de pedir, humildemente, aquilo que preciso a quem puder me ajudar”. Pedir humildemente, reconhecer nossa dependência, fragilidade e vulnerabilidade é sinal de virtude para esses filósofos. Ao experimentarmos, conscientemente, nossa fragilidade, nos apropriamos do que existe de mais humano em nossas vidas: nossa total dependência uns dos outros. Nossa própria vida frágil, esse dom fundamental, é nosso princípio e fundamento dado a cada um de nós pelos nossos pais. Somos um presente, um dom, dado a nós mesmos, na fragilidade de um recém-nascido. Nada mais humano, nada mais maravilhoso, nada mais frágil.

Mas, mais ainda: mesmo como adultos, saudáveis e conscientes, tomamos posse de nós mesmos, nossos dons, virtudes, habilidades e personalidade, na dependência dos outros. Nas palavras de MacIntyre: “O conhecimento que temos de nós mesmos depende também de quanto aprendemos com os outros a propósito de nós mesmos, e mais ainda, da confirmação da parte dos outros que nos conhecem bem. Os juízos que formulamos sobre nós mesmos precisam de uma confirmação que apenas os outros podem nos dar. Portanto, crescer humanamente é crescer, também, no reconhecimento de nossa dependência, nossa vulnerabilidade e nossa fragilidade”.

Acolher essa dimensão fundamental de nossa humanidade, em nós mesmos e nos outros, olhá-la com carinho e compreensão, agir em prol da construção de uma sociedade onde nossas fragilidades sejam cuidadas, é profundamente humano. Eu acredito que esse é o único caminho para construirmos uma sociedade da solidariedade, da fraternidade e do cuidado recíproco. Talvez, esse seja um caminho muito difícil para nossos líderes e para nós mesmos, em nossa constante e arrogante, auto jubilação. Mas, por outro lado, talvez esse seja um caminho filosófico para compreendermos nossa vida naquilo que ela é: total dependência. Na minha opinião, um bom caminho para iluminar esse debate são as paradoxais palavras, e a vida, de São Paulo, que escreveu: “Pois, quando sou fraco é que sou forte” (2 Cor 12.10). Mas, isso já é uma outra história.

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia, e reitor da FAJE.

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