Alfredo Sampaio Costa SJ
Quando nos perguntamos, na oração, que atitude tomar em tempos de pandemia, insisto sobre algo que pode parecer óbvio, mas não o é na prática: precisamos levar em consideração como podemos servir “mais” na realidade eclesial em que estamos. Esse aspecto nos dá força e coragem para sair do nosso individualismo e sentirmos que se trata de uma decisão da qual muitos outros e outras participam e colaboram. Não estou só na minha resposta, muitos outros me animam a responder e esperam ansiosamente pela minha decisão!
Muitas vezes quando temos que tomar uma decisão importante na nossa vida, retiramo-nos a uma casa de retiros para ali nos dedicarmos à oração e fazermos nosso discernimento. Isso é muito apropriado, mas com um certo cuidado: pois ao tomarmos uma decisão é preciso considerar muito a situação concreta em que nos encontremos. Não é suficiente olhar só para o Evangelho ou cumprir o que me é mandado. É preciso fazer um esforço sério para desmascarar as formas sutis em que o pecado, o egoísmo, a falta de solidariedade, a manipulação e abuso das pessoas se infiltram em nós. A decisão intransferível, em que cada um deve achar a forma concreta da sua imitação de Cristo, é por sua vez um ato de obediência: é ouvir o imperativo individual de Deus, que me colocou nesta situação concreta, para que eu nela prolongue a vida de Cristo(1) .
Paulo dizia que a plenitude cristã consiste em viver buscando responsavelmente o que Deus pode querer de mim nas circunstâncias concretas da minha vida. Em Filipenses 1,9-10 admoestará a seus cristãos que têm que saber “discernir o que é melhor e ficar com ele”(2) . Esse ensinamento segue sendo válido!
Inácio, ao descrever o Terceiro modo de Eleição em que podemos encontrar a Vontade divina, chama a atenção a um critério fundamental: a escolha deve ser movida somente pelo Amor: “Que o amor que me move e faz escolher desça do alto, do amor de Deus. Assim, quem escolhe sinta primeiro em si como o amor maior ou menor ao que elegeu seja motivado apenas pelo seu Criador e Senhor” (EE 184).
O Discernimento não pretende “adivinhar” o que Deus quer, mas sim amar o que Deus ama. Esse Deus que é Amor, e amor pessoal e concreto, se manifesta e vem ao nosso encontro nas circunstâncias e nos processos da vida. Sua palavra, seu desejo, seu projeto de amor e de vida para conosco vão se fazendo explícitos e claros quando vivemos com “atenção”, quando paramos e caímos na conta tanto da profundidade do cotidiano que nos rodeia como do movimento interior de uma semente que Deus planta no nosso interior e que vai crescendo, mesmo enquanto dormimos e sem que saibamos como (Cf. Mc 4, 27). Discernir é viver com “atenção”, com profundidade, acolhendo os apelos e as perguntas da vida (3) .
A eleição realiza o engajamento pleno de uma vida adulta, dá um caráter social e público à troca de vontades entre o Criador e a criatura e introduz na reciprocidade do amor concretamente vivido. A escolha prévia de fazer os Exercícios se abria sobre uma tomada de consciência: o dever de desejar e escolher Deus criador como fim de toda criatura. Esta primeira escolha fez aparecer o obstáculo que é o pecado.
“Que devo fazer por Cristo?” (EE 53): Perdoados e chamados, podemos então decidir nos oferecermos deliberadamente a sofrer humilhações e pobreza em conformidade com Cristo pobre; este era o objetivo do exercício do Reino.
Naquele momento, o conteúdo social que concretizaria esta escolha fundamental permanecia indeterminado. O fim do homem não é mais agora a realização de si mesmo que triunfaria na competição com os demais. A realização de si se realiza em uma relação com os outros fundada sobre a relação com Cristo, em resposta ao seu chamado dirigido a todos os homens e “a cada um em particular” (EE 95). É a escolha fundamental: seguir a Cristo indo contra os seus sonhos, mais ou menos inconfessados, de grandeza e dominação.
Ao fim do processo de discernimento, nossa escolha toma a forma de um engajamento livre na sociedade como livre resposta ao amor com o qual Cristo nos ama. Ela compromete o homem todo, em primeiro lugar a sua sexualidade em uma relação a Deus, doador último do Amor; seja no matrimônio ou uma forma de celibato. Compromete ainda a vida profissional, colocada a serviço da sociedade, onde cada um se oferece em nome de Cristo servidor. A decisão da eleição realiza a escolha primeira de seguir a Cristo. A relação ao Absoluto se investe em uma escolha a ser tomada entre uma pluralidade de meios, todos eles relativos, mas que determinam nossa maneira precisa de viver a vida social na Igreja (4) .
CONCLUSÃO: Uma oração amorosa, unificada, expansiva e consoladora
A vontade de Deus não está esculpida em um desígnio fixo, a ser admirado desde o exterior. É muito mais um movimento. Uma imagem apropriada é a do rio que busca o Oceano; o importante é que a água chegue ao mar; o caminho a ser percorrido está por ser fixado. Por isso há que desbloquear tudo o que impede que a água corra, tudo o que obstaculiza esta imersão que se converterá em uma progressiva transformação da totalidade da pessoa (5) .
A oração durante o tempo de busca da Vontade de Deus segue essa dinâmica: será afetiva e amorosa, comprometendo mais e mais cada um de nós no seguimento amoroso de Cristo; será unificadora, integrando todas as nossas potências na busca da Vontade de Deus; será uma oração que nos abre aos outros, colocando-nos a serviço deles na Igreja; e por fim uma oração consoladora, que nos levará a perceber qual é a Vontade do Senhor em nossas vidas e onde Ele se faz notar com sua Presença consoladora.
1. Cf. Karl Rahner, Dios, amor que desciende. Santander: Sal Terrae 2011, 183.
2. Josef Vives, Vida cristiana y discernimiento, EIDES 40 (2004) 14.
3. Darío Mollá Llácer, El discernimiento, realidad humana y espiritual. Manresa 82 (2010) 7.
4. Adrien Demoustier, Les Exercices Spirituels de S. Ignace de Loyola, 233-234.
5. Javier Melloni, Itinerario hacia una vida en Dios, EIDES 30 (2001) 34-35.
Pe. Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE