Afonso Murad
Raul e Cristina não sabem como começou a mudança no seu estilo de vida e no modo de ver o mundo. Hoje, o compromisso de cuidar da Casa Comum faz parte de seus sentimentos e convicções. Como um longo caminho que se percorre na subida lenta de uma montanha, perceberam o que haviam alcançado quando já haviam subido bastante.
Olharam para trás no tempo. Na época eram cristãos convictos e participantes, mas não relacionavam a fé com a ecologia. Anos atrás, durante as férias de verão, estavam num pequeno balneário, perto de uma praia linda e tranquila. No povoado avistaram uma placa que lhes chamou a atenção: “Hoje às 17 horas, desova de tartarugas marinhas”. Então, com crianças curiosas, correram para a praia. Lá estavam profissionais e voluntários, que acompanhavam esse belo espetáculo da natureza. Dos ovos de tartarugas marinhas, protegidos por buracos na areia e cercados por alambrado, saiam os filhotinhos, menores que a palma da mão. Quando alcançam a idade adulta, essas tartarugas medem mais do que um metro. À medida que deixavam o ninho, elas iam acertando a coluna vertebral e instintivamente caminhavam para o mar.
Na beira da praia ajuntou-se um grupo de mulheres e crianças que, maravilhadas, acompanhavam essa “procissão ecológica”. Batiam palmas e torciam para que as tartaruguinhas entrassem logo no seu lar, as águas marinhas. Raul e Cristina estavam lá, tomados por um encantamento singular. Mais tarde, voltaram aos ninhos. Havia ainda alguns ovos e filhotes que tentavam romper a casca. Uma voluntária e uma bióloga tomavam cuidadosamente cada um deles. Alguém lhes perguntou: “O que vocês estão fazendo?”. Elisa, a bióloga respondeu: “estamos cuidando da vida”. A frase ecoou fortemente em Raul e Cristina durante aquela noite. Parece que foi o momento decisivo para eles. Saíram de lá se perguntando: “como eu posso cuidar da vida”? Acessaram a internet e encontraram várias alternativas ecológicas para o seu dia a dia. Mas isso era pouco para eles. Então, aderiram a um grupo de educação ambiental na sua cidade, que atua com crianças e jovens em escolas públicas e privadas.
Como Raul e Cristina, ao redor do mundo multiplicam-se pessoas, grupos e organizações, que incorporam o compromisso ecológico na sua vida pessoal, familiar, profissional e religiosa. Cada vez mais os problemas e desafios ambientais se tornam evidentes. A lista parece interminável, pois tudo está interligado. Por exemplo, defender as florestas e os “berços de vida” (biomas) tem a ver com a redução das mudanças climáticas, melhoria do ritmo das chuvas, estímulo à biodiversidade, disponibilidade de água potável, agricultura sustentável, e proteção de povos originários que eventualmente habitam a região.
São conhecidos os problemas ecológicos produzidos pelos humanos. Cientistas e ambientalistas de várias áreas do conhecimento analisam as manifestações, as causas, a interdependência entre eles e propõem soluções. Lideranças religiosas assumem a contribuição das ciências ambientais, dos ativistas ecológicos e da sabedoria dos povos originários. Denunciam que a situação, tão grave, avançou para uma emergência ambiental. Não se pode esperar mais. Outros, como o Papa Francisco, na carta Encíclica Laudato Si’ (sobre o cuidado da Casa Comum), sustentam que as questões sociais e ambientais estão interligadas a ponto de constituírem um só desafio. Auxiliado por experts, Francisco, no capítulo I do referido documento, intitulado “O que está acontecendo com a nossa casa”, faz uma resenha na qual menciona: o aumento exponencial de resíduos e da poluição, originados pela cultura do descarte; as mudanças climáticas; o escasso acesso e a má qualidade da água; a perda da biodiversidade; a deterioração da qualidade da vida humana e a consequente desigualdade planetária (LS 20-52). A final do capítulo, questiona: se a situação se mostra tão grave, por que as reações são tão fracas, no cotidiano da população, no mercado e na política internacional? (LS 53-57).
O que devemos fazer para superar o torpor, a indiferença e a irresponsabilidade humana diante da deterioração da nossa Casa Comum? Como a fé e a religião contribuem para gerar um olhar de cuidado e de pertença à Terra? Tal inquietação e busca estão na base da ecoteologia, corrente da teologia cristã que faz uma ponte entre a ecologia e a fé. Ela apresenta viés afetivo, espiritual, teórico (é preciso saber para atuar corretamente) e prático. “Amar a Terra e cuidar dela”. Eis seu lema. Sentir-se parte da Terra, dom de Deus para todas as criaturas!
Afonso Murad é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE