Luiz Sureki, SJ
Nossa época não é marcada apenas por crises externas ‒ econômicas, políticas, ecológicas ‒, mas por uma crise silenciosa que atravessa a interioridade humana. Não se trata de catástrofes visíveis, mas de erosões sutis, que corroem de dentro a alma do nosso tempo. São males discretos, difusos, disfarçados de normalidade. Vivemos projetados para fora de nós, dilacerados entre o que ainda não somos e o que já não mais conseguimos ser. A vida tornou-se uma sucessão de tarefas e expectativas, raramente uma presença.
- Exaustão da performance
A primeira enfermidade é a exaustão ‒ não a fadiga física de quem trabalha muito, mas o esgotamento de quem precisa justificar continuamente a própria existência. O sujeito contemporâneo não pode simplesmente ser: deve provar, exibir, demonstrar que merece estar onde está. Cada gesto é medido por sua eficácia; cada instante, por sua utilidade. Essa pressão constante gera o que poderíamos chamar de fadiga moral: um cansaço da alma diante da obrigação de ser exitoso e exemplar.
- Dispersão e perda da atenção
Outro mal sutil é a dispersão. Vivemos rodeados de estímulos, mensagens, sons e imagens. Nada mais dura o suficiente para se tornar experiência. A atenção ‒ esse dom raro de permanecer com algo ou alguém ‒ tornou-se quase impossível. Perdemos a capacidade de demorar-nos. O mundo nos atravessa, mas já não nos toca. Se a atenção é a forma mais pura de generosidade ‒ como dizia Simone Weil, segue-se que sua perda é uma forma de empobrecimento espiritual.
- Narcisismo e insegurança
A era digital consagrou o narcisismo inseguro: um eu que busca incessantemente aprovação, mas que se dissolve no espelho das redes. É uma forma de solidão disfarçada de comunicação. O sujeito contemporâneo exibe-se para existir, mas já não sabe quem é quando o olhar do outro se desvia. Vive em permanente oscilação entre a exposição e o vazio, incapaz de habitar o silêncio.
- Estranha solidão
Nunca estivemos tão conectados ‒ e, paradoxalmente, tão sós. As relações tornaram-se frágeis, condicionais, mediadas por algoritmos e interesses. O encontro autêntico foi substituído pela interação rápida; o diálogo, pela reação. Falta o tempo do outro, a escuta paciente, o toque humano. A solidão contemporânea não é recolhimento fecundo, mas isolamento funcional ‒ uma orfandade de vínculos.
- Perda de sentido
Outro mal ‒ talvez o mais profundo ‒ é o desencantamento. Sabemos fazer quase tudo, mas já não sabemos por que fazemos o que fazemos. O mundo tornou-se funcional, mas perdeu densidade simbólica. A ciência explica, a técnica resolve, o mercado fornece ‒ e, no entanto, a alma permanece vazia. Vivemos cercados de meios sem fins, de velocidade sem direção. É o niilismo cotidiano: não o trágico de Nietzsche, mas o brando, repetitivo e sem dor, do tédio e da apatia.
- Medo da vulnerabilidade
Tememos o fracasso, o erro, a lentidão, a dependência. A cultura da eficiência nos ensinou que ser vulnerável é ser fraco. Mas o que se perde com essa recusa da fragilidade é justamente a capacidade de compaixão. Só quem reconhece o próprio limite pode acolher o limite alheio. O medo da dor gera corações endurecidos, incapazes de ternura ‒ e onde não há ternura, também a justiça se empobrece.
- Pressa e ausência de profundidade
Vivemos em estado de urgência permanente. Tudo deve ser imediato: a resposta, o resultado, o prazer. O tempo interior, porém, exige lentidão. A profundidade não se alcança correndo. Ao abolir a espera, abolimos também a maturação ‒ e, com ela, a sabedoria. O apressamento existencial é, provavelmente, a forma mais disfarçada de superficialidade.
Cada uma dessas enfermidades é sutil porque se apresenta como algo natural. A exaustão da performance veste a aparência da produtividade; a dispersão parece dinamismo; o narcisismo se disfarça de comunicação; a solidão, de liberdade; a perda de sentido, de neutralidade científica; o medo da vulnerabilidade, de força; e a pressa, de eficiência. Assim, o que chamamos progresso frequentemente oculta uma lenta erosão da interioridade. No afã de fazer mais, perdemos o sentido de ser; no excesso de conexões, perdemos o encontro; na busca de visibilidade, esquecemos a presença.
A soma dessas enfermidades sutis é, no fundo, uma perda de presença: estamos em toda parte, menos onde a vida realmente acontece. Eis o drama maior do nosso tempo: não o de não termos mais tempo, mas o de termos esquecido o sentido de estar.
É na capacidade de presença, de habitar o instante em que se vive, o único instante em que a vida acontece …, é aí que reside o início da cura dessas sutis enfermidades do espírito contemporâneo.
Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE
13/11/2025

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