Sinivaldo Silva Tavares, OFM
Domingo próximo, em comunhão com as comunidades eclesiais do mundo inteiro, iniciaremos o tempo litúrgico do Advento. Ad-vento, como exprime a própria palavra, significa espera, expectativa. Quem espera, espera sempre por alguém ou por alguma alvissareira notícia, ou por ambos, como é o nosso caso. Aguardamos a vinda do Cristo, Sol nascente que nos vem visitar. Esse é o sentido pleno do mistério que celebramos no Natal, cuja preparação se dá ao longo de quatro semanas que compõem o tempo litúrgico do Advento.
Há quem insista em interpretar esperança como passividade ou, na melhor das hipóteses, uma forma de resignação face à vida e seus inerentes processos. Assim entendida, ela se restringiria a uma espécie de expectativa cega, ilusória e ingênua. A esperança cristã, ao contrário, não se propõe como uma espera monótona ou entediante nem tampouco como uma expectativa ansiosa ou angustiante. A esperança cristã não se define simplesmente como ativa; para todos os efeitos, ela é criativa. Pois, de fato, ela se encontra enredada em torno aos nós constitutivos da variegada e rica teia que é a experiência de fé bíblica.
A inteira trama da história da salvação, narrada na Bíblia, é tecida mediante os nós recíprocos e complementares que constituem a tessitura da aliança de Javé com o povo de Israel: promessa/cumprimento. O próprio nome que o Senhor revela a Moisés, depois de muita insistência, IAHVEH, consiste em uma forma verbal, no tempo futuro. Trata-se, afinal, de uma promessa. Dessa maneira, o próprio nome através do qual o Senhor se revela a Moisés significa uma promessa que Ele faz de permanecer sempre junto a seu povo eleito. Estamos diante de uma promessa que instaura uma autêntica história de aliança entre Deus e seu povo. Aquele que se antecipa e propõe a aliança promete fidelidade para sempre, custe o que custar, e espera que o povo, caminhando por entre luzes e sombras, lhe seja fiel, ainda que em meio a fidelidades e infidelidades. E, a partir daí, inicia-se o longo e sinuoso percurso da história da salvação, narrada de diferentes formas e mediante distintos gêneros literários, nas sagradas Escrituras.
Anúncios alvissareiros, segundo o testemunho dos textos da
Bíblia, remetem-nos à visita de Deus. Visita esperada e acalentada desde tempos imemoráveis que promete vir ao encontro dos mais profundos desejos do coração humano e satisfazer suas mais remotas necessidades. O Senhor vem, de fato, e vem para nos salvar. Nesse sentido, Deus irrompe em meio à nossa vida, atraindo-nos para o futuro. Sua presença subverte nossas ordens estabelecidas e nossa maneira usual de pensar e raciocinar. Ele jamais se deixa circunscrever ou aprisionar dentro de nossas estreitas categorias, espaços e formas de pensar e de agir. Por essa razão, necessitamos de contínua vigilância para não cristalizarmos imagens de Deus nem para engessá-lo dentro de nossos critérios. É preciso deixar Deus ser Deus, renunciando a toda e qualquer tentativa de querer reduzi-lo a um ídolo que, estando aí à nossa inteira disposição, obedeceria fielmente aos nossos interesses e propósitos.
E, se antes, ele havia nos visitado através de patriarcas e profetas, agora, na plenitude dos tempos, ele se aproxima e se acerca de nós, pessoalmente, em seu próprio Filho. Os sinais de sua visita são desconcertantes e até escandalosos: um recém-nascido, coberto com panos rudes, deitado em uma simples manjedoura, aquecido pela respiração e transpiração dos animais, na atmosfera lúgubre de um estábulo. Seria possível imaginar fragilidade maior do que essa?
Não raramente, associamos Deus a grandes manifestações, a fatos e a situações extraordinários. Comportamo-nos como os Magos do Oriente que, segundo os evangelhos, preferem se informar junto a Herodes e sua corte, do que continuar seguindo a estrela que os levaria à cena em que se faziam presentes todos aqueles sinais prometidos. Observar as estrelas era o que faziam os Magos quotidianamente. Como imaginar que Deus se serviria de uma atividade monótona e repetitiva, do dia-a-dia, para sinalizar algo ou para comunicar-lhes uma alvissareira notícia?
Em sua singular e inusitada maneira de se fazer presente entre nós, mediante sinais, o Deus de Jesus Cristo potencializa as mediações humanas, históricas e também cósmicas como possíveis vias de sua presença e interpelação. Entre tantas mediações escolhidas pelo Deus bíblico, uma merece destaque. Trata-se da mediação do pobre, concebido como sacramento primordial do Deus comunhão, revelado por Jesus Cristo. Ao se revelar preferencialmente no pobre, no excluído e no marginalizado, Deus revela um de seus segredos mais recônditos. E o segredo é este: que Deus ama tudo o que é desprezível, insignificante, simples. Deus ama a todos e se serve de toda e qualquer situação para se fazer presente e comunicar-nos os desígnios de sua vontade. No entanto, manifesta um carinho especial para com os pequenos, desprezados e últimos deste mundo, e ama particularmente aquelas situações mais desprezíveis e insignificantes. Numa palavra, Deus ama o abandonado e faz dele seu sacramento por excelência.
Francisco de Assis, o Poverello, e Teresa de Calcutá, entre tantos outros, intuíram este segredo de Deus. Foi assim que, descobrindo o valor recôndito das situações insignificantes, realizaram a experiência singular do encontro com o Deus de Jesus Cristo e, em comunhão com os pobres, aprenderam a reconhecer e cultivar a beleza dessa intimidade. Assim vivendo, portanto, ensinam que o caminho que conduz o ser humano a Deus passa inevitavelmente pelo irmão ou pela irmã e, de modo especial, por aquele que se encontra caído à margem, vale dizer, em total condição de abandono.
Quais seriam, então, hoje esses novos sinais de Deus que somos interpelados a perscrutar? O empenho em perceber em toda e qualquer situação a presença do Deus de Jesus Cristo e em acolher generosamente suas interpelações torna-se imprescindível. Não existem, para o cristão, situações que constituam um total empecilho à presença e à interpelação do Deus de Jesus Cristo. Não raras vezes, Ele se faz presente justamente naquelas situações nas quais resulta difícil perceber, de antemão, sua presença e consequente interpelação.
Que no decurso dessas quatro semanas do Advento, de modo especial, exercitemo-nos em uma maior sensibilidade para com nosso dia a dia a fim de percebermos os sinais da presença interpeladora de Deus. E, uma vez percebida Sua presença, disponhamo-nos a corresponder generosamente aos apelos de Deus.
Frei Sinivaldo Silva Tavares, OFM é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE