Washington Paranhos, SJ
Com o primeiro domingo do Advento, a Igreja, peregrina no tempo, inicia o caminho de um novo ano litúrgico, durante o qual, a partir da novidade geradora da Páscoa, comemora a obra salvífica de Cristo.
A primeira etapa deste itinerário da celebração anual do Mistério de Cristo é marcada pela nostalgia. Essa tensão espiritual não é alimentada por sentimentalismos vazios. Pelo contrário, nasce do desejo de Deus, presente no coração de cada homem e mulher, e da esperança da volta do Senhor glorioso.
Se o Advento é o tempo da espera plena de esperança, o Natal é um tempo de admiração, alegria e gratidão, porque o nosso Redentor, entrando na natureza fragmentária da história e assumindo a fraqueza da carne, abriu o tempo à eternidade e elevou a natureza humana à dignidade divina.
Nesta conjuntura da história, em que o ódio parece mais forte do que o amor, comprometemo-nos a viver o Advento e o Natal, pedindo a Cristo Jesus, Príncipe da Paz, que rompa os laços de morte das muitas frentes de guerra atualmente abertas, para que o mundo inteiro alcance aquela convivência pacífica e reconciliada que Isaías profetiza.
Fraternidade: um caminho frágil para endireitar
A incerteza e a angústia do período pandêmico nos fizeram sentir nossas vidas como precárias e vulneráveis, obrigando todos nós a estarmos vigilantes e atentos ao que estava acontecendo com todo o planeta. De certa forma, nesse período de medo e isolamento, nossa escala de prioridades parecia ter mudado, devolvendo-nos o valor das relações.
A imprevisibilidade da pandemia também nos ajudou a redescobrir o valor e a intensidade de algumas expressões-chave do tempo do Advento, como “Vigiai”; “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” … No entanto, bastou muito pouco para deixarmos tudo isso para trás. Como se nada tivesse acontecido, poucas semanas após o fim do estado de pandemia, as Forças Armadas da Federação Russa, em 24 de fevereiro de 2022, invadiram o território ucraniano, marcando assim uma forte escalada do conflito russo-ucraniano.
Os horrores e o medo da guerra na Ucrânia nos lembraram dos muitos focos de guerra que parecem compor o mosaico do que o Papa Francisco chamou de terceira guerra mundial fragmentada. Há demasiados anos, de fato, surtos de morte têm ocorrido na Síria, no Iémen, no Sudão do Sul, na República Centro-Africana, no norte de Moçambique, na República Democrática do Congo, em Tigray, na Etiópia, em vários territórios na América Latina, pensemos a realidade desumana no Haiti, o genocídio de indígenas no Brasil, a violência do governo ditatorial em Honduras…
Terra Santa: Qual é a situação atual?
Como se não bastasse, em 7 de outubro, grupos armados palestinos atacaram Israel, causando mais de 1.300 mortes, revigorando o fogo, que nunca foi extinto, do conflito israelense-palestino. A situação é dramática, a mais grave que vimos desde a década de 1970. O cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca de Jerusalém, escreveu em sua carta de 24 de outubro à comunidade do patriarcado: “Estamos passando por um dos períodos mais difíceis e dolorosos de nossa história recente. Há mais de duas semanas que somos inundados por imagens de horror, despertando velhos traumas, abrindo novas feridas e explodindo dor, frustração e raiva dentro de todos nós. Muito parece falar de morte e ódio sem fim. Tantos ‘porquês’ se sobrepõem em nossas mentes, aumentando assim nossa sensação de perplexidade”.
O Patriarca recordou ainda que, neste tempo extremamente doloroso, é preciso voltar o olhar para o alto para ler o que a Terra Santa está vivendo. Neste momento da história, precisamos de uma palavra de encorajamento d’Ele para nos acompanhar, para nos consolar e nos incentivar.
Jesus, na véspera da sua Paixão, disse: “Eu vos disse essas coisas para que, em mim tenhais a paz. No mundo tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16,33). As palavras do Mestre são palavras de valor! Reforça o cardeal Pizzaballa:
Ter a coragem do amor e da paz aqui, hoje, significa não permitir que o ódio, a vingança, a raiva e a dor ocupem todo o espaço do nosso coração, dos nossos discursos, do nosso pensamento. Significa comprometermo-nos pessoalmente com a justiça, sermos capazes de afirmar e denunciar a dolorosa verdade da injustiça e do mal que nos rodeia, sem poluir as nossas relações. Significa comprometer-se, estar convencido de que ainda vale a pena fazer tudo o que for possível pela paz, justiça, igualdade e reconciliação. O nosso discurso não pode ser preenchido com morte e portas fechadas. Pelo contrário, as nossas palavras devem ser criativas, dar vida, criar perspectivas, abrir horizontes. É preciso coragem para poder exigir justiça sem espalhar ódio. É preciso coragem para pedir misericórdia, para rejeitar a opressão, para promover a igualdade sem exigir uniformidade, para permanecer livre.
Papa Francisco: voz que clama no deserto
O Advento apresenta-nos a figura de João Batista, como aquele chamado a ser o precursor de Cristo, a quem é confiada a árdua tarefa de “despertar as consciências”, para que todos tenham a possibilidade do arrependimento, da conversão, para acolher o Senhor que se encarna na história.
Durante o seu papado, o Sumo Pontífice falou repetidamente, usando todos os lugares e formas possíveis, “a todas as pessoas de boa vontade” para reafirmar a importância de viver na nossa casa comum, reconhecendo que somos todos irmãos e irmãs. Um grito de solidão que é uma denúncia contra os crimes e injustiças contra a criação, as criaturas e o Criador.
O grito do Papa não é apenas de denúncia, mas é um grito de responsabilidade pessoal pela realização de uma Ecologia Integral, que se torna um compromisso, cheio de esperança.
Esse sentimento espiritual, peculiar à expectativa da vinda de Cristo, também nos ajuda a desejar a realização da profecia de Isaías:
O lobo, então, será hóspede do cordeiro,
o leopardo vai se deitar ao lado do cabrito,
o bezerro e o leãozinho pastam juntos,
uma criança pequena toca os dois,
a ursa e a vaca estarão pastando,
suas crias deitadas lado a lado;
o leão, assim como o boi, comerá capim.
O bebê vai brincar no buraco da cobra venenosa,
a criancinha enfia a mão no esconderijo da serpente
(Is 11,6-8).
Advento: Tempo de Compromisso
Nesta conjuntura da história, em que o ódio parece mais forte do que o amor, juntos como Igreja comprometemo-nos a viver o Advento, pedindo a Cristo Jesus, Príncipe da Paz, que rompa os laços de morte das muitas frentes de guerra atualmente abertas, para que a convivência pacífica e reconciliada que Isaías profetizou possa realizar-se em todo o mundo.
Uma oração que pode cada vez mais, no nosso dia a dia, ser testemunho e cuidado em sermos construtores da Paz: endireitemos os sentimentos das nossas relações, muitas vezes deformadas por velhos e novos rancores. Deus se fez homem para mostrar ao ser humano a possibilidade real de viver o Amor. Maràn athá – Vem Senhor Jesus!
Washington Paranhos, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE