Bruno Pettersen
Na terceira quinta-feira do mês de novembro, comemoramos o “Dia da Filosofia”, conforme foi instituído pela UNESCO em 21 de novembro de 2002. Mas qual é o propósito dessa comemoração? Aqui, retomo o texto presente no site da UNESCO sobre esse dia:
Ao celebrar o Dia Mundial da Filosofia todos os anos, na terceira quinta-feira de novembro, a UNESCO destaca o valor duradouro da filosofia para o desenvolvimento do pensamento humano, para cada cultura e para cada indivíduo. (…) A filosofia é uma disciplina inspiradora, assim como uma prática cotidiana que pode transformar sociedades. Ao permitir a descoberta da diversidade das correntes intelectuais no mundo, a filosofia estimula o diálogo intercultural. Ao despertar as mentes para o exercício do pensamento e para o confronto fundamentado de opiniões, a filosofia ajuda a construir uma sociedade mais tolerante e respeitosa. Assim, contribui para compreender e responder aos grandes desafios contemporâneos, criando as condições intelectuais para a mudança.
Pessoalmente, considero interessante termos um dia específico para celebrar a Filosofia, destacando as características de nossa disciplina em nível mundial. O texto da UNESCO é também muito relevante, indicando três benefícios da prática filosófica: o diálogo intercultural, o exercício do pensamento e a busca por uma sociedade tolerante. Essas três práticas estão no núcleo da reflexão filosófica desde seu início até os nossos dias e não são exclusivas de uma corrente ou outra de pensamento. Acredito que a Filosofia tem a capacidade de despertar a reflexão sobre problemas fundamentais que, de uma forma ou de outra, estão presentes em todos nós.
Faz parte da essência da consciência humana refletir sobre si mesma. Afinal, quem nunca ponderou sobre temas como felicidade, justiça ou verdade? Embora essas questões sejam inerentes à condição humana, é a Filosofia que se dedica a elas como ofício, transformando-as em sua tarefa diária. Com rigor e profundidade, a Filosofia investiga suas minúcias, implicações, dificuldades e as vantagens de cada proposta teórica. No entanto, essa visão da Filosofia, descrita acima e destacada pela UNESCO, representa apenas uma parte de uma história muito mais ampla e complexa.
O lugar da Filosofia nunca foi claro nas sociedades. Desde os primórdios da Filosofia na cidade de Atenas, o papel do filósofo sempre foi envolto em complexidade, a tal ponto que a própria cidade condenou à morte seu mais ilustre pensador público: Sócrates. Em nossos tempos, a Filosofia também enfrenta grandes dificuldades para se manter como disciplina presente no ensino brasileiro, em uma história repleta de idas e vindas. Devido aos movimentos da ditadura militar, a Filosofia ficou ausente do ensino médio por cerca de 40 anos e foi reintroduzida apenas em 2008. Mesmo assim, o lugar dela continuou a ser ameaçado, pois a cada nova reforma do ensino no Brasil questiona-se novamente se a Filosofia deve ser mantida como disciplina obrigatória.
Professores de Filosofia que atuam no ensino médio precisam, a todo momento, justificar a existência da matéria como parte do currículo, devido à curta e irregular história da disciplina no Brasil. O lugar da Filosofia não é tão claro quanto o texto da UNESCO sugere. Embora minha atuação no ensino médio tenha sido breve, convivo diariamente com inúmeros colegas e com minha esposa, Anice Lima, que atua no ensino médio na disciplina de Filosofia e enfrenta, diariamente, não apenas o trabalho de apresentar a reflexão aos alunos, mas também o desafio de justificar a existência da própria disciplina. Não se trata apenas de falta de valorização, mas de uma certa imagem da Filosofia na sociedade, que pouco tem a ver com o que a UNESCO relata.
Parte dessa visão sobre a Filosofia é que ela seria uma disciplina muito difícil ou inacessível para as “pessoas comuns”. Por outro lado, também há quem a veja como fruto de devaneios e filigranas sem relação com a vida real. Essa imagem, frequentemente associada à Filosofia, retira todo o possível valor da disciplina e a coloca como um mero detalhe da história ocidental.
Nesse sentido, temos duas imagens completamente diferentes da Filosofia. A imagem da UNESCO é muito positiva e, devo admitir, me anima a continuar a fazer Filosofia. A outra, que diz respeito à prática da Filosofia no Brasil é negativa e revela o constante desafio dos professores em justificar sua presença nas salas de aula. O desafio está posto para quem se dedica à Filosofia: não basta apenas praticá-la, mas torná-la disponível a todos. Não há mundo ideal, mas apenas a realização concreta do fazer filosófico.
De certo modo, é como Charles Dickens escreveu em seu texto de abertura do Conto de Duas Cidades: “Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era o tempo da sabedoria, era o tempo da insensatez”
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE