Pesquisar
Close this search box.

Escândalo de proporções revoltantes (Bento XVI)

advanced divider

Élio Gasda, SJ

Muito ricos ficaram escandalosamente mais ricos! Os lucros das grandes empresas batem recordes. Explosão de desigualdade e pobreza. Nos últimos dois anos, o 1% mais rico do mundo embolsou dois terços de toda a riqueza gerada no planeta (US$ 42 trilhões). Isso significa seis vezes mais que 90% da população! Na última década, os super-ricos concentraram cerca da metade de toda a riqueza produzida no mundo. Pela primeira vez em 25 anos, a riqueza e a pobreza extremas aumentaram muito e ao mesmo tempo. Revoltante!

Os dados constam no relatório A “sobrevivência” do mais rico – por que é preciso tributar os super-ricos agora para combater as desigualdades, apresentado pela OXFAM por ocasião Fórum Econômico de Davos 2023 (https://www.oxfam.org/en/research/survival-richest).

Segundo a Oxfam, 3.390 pessoas mais ricas do Brasil (0,0016%) detêm 16% de toda a riqueza do país, mais do que 182 milhões de brasileiros (85% da população). Dados ajudam a entender o genocídio da Nação Yanomami. Entre 2016 e 2021, o garimpo em terras Yanomami cresceu 3.350%. 570 crianças morreram por contaminação de mercúrio, fome, desnutrição e malária durante o governo anterior. Um crime contra a humanidade financiado e acobertado. Face mais cruel do fascismo: o grama do ouro vale mais do que a vida de uma criança.

Quando a dignidade humana dá lugar ao dinheiro, estamos falando de idolatria. Bento XVI, em Caritas in Veritate (CV) afirma que “messianismos fascinantes, mas construtores de ilusões, fundam sempre as próprias propostas na negação da dimensão transcendente do desenvolvimento, seguros de o terem inteiramente à sua disposição” (CV 17). Por essa razão “temos um sistema que responde exclusivamente às expectativas dos investidores em detrimento da sociedade e que está controlado por uma classe cosmopolita de manager a serviço de acionistas compostos de fundos anônimos que estabelecem sua própria retribuição” (CV 40). Quando o dinheiro governo, às favas o bem comum, a natureza, os Yanomami, Brumadinho.

Um sistema totalmente desacreditado. “O desenvolvimento econômico foi e continua a ser afetado por anomalias e problemas dramáticos… o objetivo exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, destrói riqueza e cria pobreza” (CV 21). “Cresce a riqueza mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades… o escândalo de desproporções revoltantes” (CV 22).

Não faltam recursos. O país é o maior produtor de alimentos do mundo, mas 33 milhões de brasileiros passam fome. “As causas do subdesenvolvimento não são primariamente de ordem material. O subdesenvolvimento tem uma causa mais importante: a falta de fraternidade entre os homens e entre os povos” (CV 19).

Como dimensão da realidade humana, “a economia forma parte do conjunto em que se manifestam os efeitos perniciosos do pecado” (CV 34). É uma denúncia contundente da perversidade reinante. Existem responsáveis diretos (CV 17). Sistemas que se privam de fundamentos éticos para apoiar-se exclusivamente nas potencialidades das tecnologias estão destinados ao colapso (CV 69-70).

Se o desenvolvimento não é fraterno, não é verdadeiro. E se não verdadeiro, é uma mentira que mata (CV 9). O capitalismo é um sistema enraizado na mentira. O aumento do número de pobres não se deve ao número de nascimentos (CV 44). É mentira que o consumismo e o desenvolvimento tecnológico são suficientes para que o indivíduo alcance a felicidade (CV 28-30).

O mundo não pode se resignar diante dos “grandes problemas da injustiça no desenvolvimento dos povos” (CV 20). É preciso começar “a projetar de novo o caminho, a impor-nos regras novas e encontrar novas formas de atuação, a apostar em experiências positivas e rejeitar as negativas” (CV 21). “O mercado orienta-se em sentido negativo não por sua própria natureza, mas pela ideologia que o guia neste sentido” (CV 36). Esta “ideologia” que orienta o “mercado” em sentido negativo é o neoliberalismo. É preciso “libertar-se das ideologias que simplificam a realidade” (CV 22).

Desenvolvimento integral é “fazer sair os povos da fome, da miséria, das doenças endêmicas e do analfabetismo, assegurar a sua participação ativa e em condições de igualdade no processo econômico internacional; do ponto de vista social, sua evolução para sociedades instruídas e solidárias; do ponto de vista político, a consolidação de regimes democráticos capazes de assegurar a liberdade e a paz” (CV 21).

Nestes tempos difíceis para expressões contrarias ao neoliberalismo, somos exortados pela Doutrina Social da Igreja a pensar de maneira distinta. A sociedade não pode continuar anestesiada em sua capacidade de pensar outros mundos possíveis, de combater os escândalos das desigualdades, principalmente a imoralidade da fome.

Oxfam apresenta a tributação dos mais ricos como possibilidade de restabelecer a dignidade dos pobres e miseráveis no mundo. Tributar os mais ricos é uma obrigação. Que os governos caminhem nesse sentido.

 

Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

...