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O esgotamento não ajuda na educação

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Washington Paranhos SJ

O trabalho educacional está em crise. Diante da fragilidade generalizada e do medo do futuro, a educação deve recomeçar a partir de ações que surjam da capacidade de ver e tomar consciência do que foi visto, sem se limitar ao esgotamento.

A história da humanidade foi construída sobre o valor do trabalho educativo. Educar significa deixar-se desafiar pela relação e responsabilizar-se por ela, o que contribui para a construção do futuro.  O “papel” dos educadores em todos os serviços educacionais decorre disso e tem crescido e mudado em relação às mudanças sociais, políticas e culturais. E hoje, é justamente a partir das grandes transformações em curso que devemos recomeçar.

O momento que estamos vivendo é feito de grandes transformações sociais, relacionais e culturais, de lockdowns a guerras, o cenário tem levado a novas fragilidades e inseguranças que mudaram profundamente a face de nossas comunidades. Encontramo-nos numa crescente dificuldade econômica e social e na presença de várias criticidades culturais e sociais que se entrelaçam no espaço e no tempo: as diferenças territoriais, as diferenças de gênero, as mudanças relacionais, a dissolução do tecido solidário e o encerramento familiar, o inverno demográfico, a transformação do papel parental, o aumento da violência profunda. Somam-se a isso o abandono escolar precoce (o Brasil é um dos países com a maior taxa de abandono escolar das Américas) e a falta de serviços de educação infantil. Todos esses elementos de fragilidade estão relacionados às três macro mudanças de nosso tempo que ocorreram ao longo de uma geração: a presença crescente de migrantes, a entrada da web em nossas vidas e, agora, o papel da inteligência artificial.

 

O cenário

Diante dessas dificuldades, o trabalho educativo tornou-se ainda mais relevante e necessário, mas também mais complexo devido à crescente incerteza educacional. Todo trabalho assistencial está em crise: os modelos, o papel, a identidade, o valor do trabalho educativo e também seu significado devem, portanto, ser fortalecidos para dar respostas efetivas às novas questões críticas. Infelizmente, todas as pesquisas nos dizem que hoje se multiplicam o sofrimento existencial, as situações de mal-estar emocional e o vazio vivido por muitas crianças e adolescentes: um quadro desolador que expressa as experiências emocionais de jovens que parecem vivenciar diariamente sentimentos de mal-estar existencial, sem recursos aos quais se agarrar. Jovens isolados que não sabem se cuidar, como se a vida estivesse exausta no momento presente e não oferecesse perspectiva real de sentido.  Insegurança generalizada, medo de não corresponder às expectativas, incapacidade de gerir as emoções, desorientação.

Mas estudos atuais também nos dizem que esses caminhos de fragilidade fizeram com que muitos jovens redescobrissem o valor da relação “em presença” com seus colegas de escola. E mostram o valor e o significado do trabalho educativo, a “beleza” de ajudar a construir o bem-estar existencial. Nesse contexto, a prevenção é a prioridade a reforçar. Para ajudar os filhos da crise a ainda encontrarem a possibilidade de planejar o futuro, são necessárias intervenções para ações que surgem do olhar; isso significa, antes de tudo, não se limitar à inquietação ou ao desânimo diante dos comportamentos mais alarmantes que as notícias nos relatam todos os dias, mas tentar conhecer as experiências das quais eles se originam. A capacidade de ver e tomar consciência daquilo que foi visto é o primeiro passo do cuidado educativo que visa aliviar o desconforto em situações difíceis. Enquanto o olhar indiferente, que expressa descuido, é o chamado “passar adiante”.

 

É o olhar que gera o sentimento

Muito significativa é a parábola do Evangelho de Lucas (Lc 10,25-37), na qual o samaritano olha, sente compaixão e se firma para ajudar um infeliz, deixado meio morto por bandidos, um estranho, e, no entanto, escreve Lucas, “Chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão dele”. Um sacerdote e um levita passaram antes do samaritano e seguiram seu caminho, sem se preocuparem com aquela pessoa ali caída e no final da vida, ou seja, sem assumirem a responsabilidade pelo que viram.

O olhar gera o sentimento. Nesta frente, as competências emocionais são essenciais para compreender, avaliar e gerir as nossas próprias emoções e reconhecer as emoções daqueles que nos rodeiam e para fazer escolhas significativas. As emoções estão sempre ligadas à razão. Mas não esqueçamos que mesmo que a inteligência cognitiva seja muito importante, a inteligência emocional e o apoio à alfabetização dos sentimentos são essenciais. O grande desafio educacional hoje é justamente este: manter as competências emocionais aliadas às cognitivas.

 

O conhecimento (saber?) dos sentimentos

É por isso que os educadores não podem improvisar. E a competência emocional deve ter prioridade sobre a competência profissional. Animar a ação educativa significa dar-lhe alma e cuidar da vida emocional é um recurso pedagógico muitas vezes subestimado pelo primado da razão que tem dominado largamente o caminho do conhecimento: a visão cartesiana do “cogito ergo sum”. Existe um conhecimento (saber?) dos sentimentos que não pode mais ser ignorado ou subestimado, justamente quando as habilidades emocionais são indispensáveis ​​neste momento difícil.

A inovação terá, portanto, como objetivo o acolhimento e a inclusão, o que exige a construção da comunidade educativa que é a principal resposta de solidariedade e partilha de perspectivas educativas. Ou seja, é preciso saber tecer redes entre escolas, administrações públicas, regiões e municípios, autoridades locais de saúde e integrações com o terceiro setor, o setor privado social (e não social), o voluntariado, as paróquias, os oratórios, entidades desportivas e culturais, musicais, artísticas e outras com fins educativos para crianças.

Um sistema integrado de serviços educativos baseado no coplanejamento e na corresponsabilidade pela ação educativa. Para superar esta época de isolamento e insegurança, o tema do cuidado existencial torna-se cada vez mais um pivô educativo que diz respeito a todas as áreas, formais e informais, desde a creche até o acesso ao mundo do trabalho. Quanto mais oportunidades oferecermos às crianças, maior será a possibilidade de salvá-las da marginalização, das dificuldades e da violência. Precisamos começar a agir imediatamente, juntos.

Educadores, vocês não podem improvisar. A competência emocional deve ter prioridade sobre a competência profissional. Animar a ação educativa é dar-lhe alma e cuidar da vida afetiva é um recurso pedagógico excessivamente subestimado.

Washington Paranhos SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Drazen Zigic no Freepik

 

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