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Jovens e ritos: a crise de identidade e a nostalgia perene do passado

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Washington Paranhos SJ

Uma advertência: “Os rituais não assinalam, no presente ensaio, um local de saudosismo”. Assim escreve o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nas primeiras páginas de seu ensaio O Desaparecimento dos rituais. Uma topologia do presente. Eu poderia dizer o mesmo: este artigo não é animado pelo anseio por um retorno ao ritualismo, ou pela nostalgia do passado. Pelo contrário, gostaria de questionar se os ritos desapareceram ou não na nossa sociedade e o efeito que tudo isto pode ter para nós e as futuras gerações.

 

Rituais, ações simbólicas

Em primeiro lugar, uma definição: rituais são “ações simbólicas” que “transmitem e representam todos os valores e ordenamentos que portam uma comunidade”. Os ritos criam o social em que vivemos, trazem ordem onde reina a complexidade. Os ritos ajudam o indivíduo a encontrar seu próprio lugar dentro do coletivo, criam uma comunidade sem a necessidade de comunicação. Uma característica essencial do rito é a repetição, ou seja, o movimento que permite lembrar algo do passado, projetando-o para frente. O presente em que o rito ocorre é, portanto, uma condensação de passado e futuro. Difere da rotina por ser mais intensa e que a rotina nada mais é do que uma repetição do presente que não se inspira no passado. Poderia dizer que nossa sociedade, obcecada pelo culto ao novo e à produtividade a qualquer custo, certamente prefere a rotina ao rito. Não é por acaso que a Alexa, a famosa assistente de voz da Amazon, pode ser convidada a montar rotinas, ou seja, uma série de ações encadeadas e pré-programadas, mas não rituais.

“Alexa, bom dia”, posso dizer assim que acordo.

“Bom dia Astrogildo – Alexa responder-me-á imediata e educadamente – hoje o tempo em Belo Horizonte é… Estas são as principais notícias do dia… estes são os seus compromissos…”. As rotinas só podem se mover ao longo de uma linha horizontal, enquanto os ritos se movem verticalmente, transitando entre o passado e o presente. Por esse motivo, não é facilmente reprodutível.

Os ritos não estão imunes às mudanças sociais. Na verdade, eles podem perder o sentido, tornar-se uma mera repetição de uma forma que não comunica mais nada, passar adiante uma ideia de sociedade muito distante daquela vivida e sentida pelas pessoas. Penso por exemplo, no serviço militar obrigatório, que, para muitos jovens, era uma espécie de rito de passagem, hoje não tanto! Ou alguns ritos relacionados ao casamento em que a mulher era oferecida em casamento por sua família de origem sem que ela tivesse qualquer palavra a dizer sobre o assunto. Os ritos mudam. Aliás, em alguns casos é bom que mudem para não resultar em violência, abuso ou repetição de uma injustiça. Se, no entanto, como dissemos, os ritos transmitem os valores e os ordenamentos de uma sociedade, seu desaparecimento produz um vazio. Um vazio necessário, repito, mas ainda um vazio que deve ser cuidado.

A tese básica do livro do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han é que, em nosso tempo, esse vazio foi simplesmente preenchido por um excesso – quase uma obrigação – de produzir e por uma busca espasmódica pela própria individualidade escondida por trás do mito da autenticidade. O problema é que os objetos que produzimos e consumimos não deixam espaço para qualquer tipo de produção de sentido. Da mesma forma, a busca obsessiva pela individualidade nada mais faz do que empurrar para formas de narcisismo que excluem o Outro da vida.

 

O desaparecimento dos ritos e a sensação de perplexidade

O desaparecimento dos ritos deixa, assim, espaço para um tempo que se move quase exclusivamente de forma horizontal, mas que, justamente por essa característica, dificulta a dar sentido à vida. Até porque, se olharmos com cuidado, parece que até o sentido se tornou um produto no mercado. Em vez de brotar de um ato, de um rito, de uma busca pessoal, de uma pergunta, o sentido é colocado agora no mercado, tornando-se mais um produto.

Meditações, religiões, ideologias diversas, coaching e podemos acrescentar ainda certas psicoterapias, vendem diretamente o sentido, encerrando-o dentro de palavras que soam cada vez mais vazias como bem-estar, felicidade, realização pessoal… Mas este querer dar sentido e significado a cada ação, ato terapêutico ou meditação não seria um sinal do desaparecimento dos ritos? Talvez estejamos dispostos a comprar o sentido porque não podemos mais encontrá-lo em nossas vidas.

O desaparecimento dos rituais certamente permitiu que os jovens, pelo menos no Ocidente, vivessem com maior liberdade. Hoje, é dado amplo espaço às escolhas pessoais e há menos constrangimentos sociais, culturais e religiosos. Isto é certamente positivo, mesmo que não possamos nem devamos ser surpreendidos por uma maior sensação de insegurança e instabilidade presente nos jovens. Podemos dizer que a sensação de opressão em ter que ficar dentro de regras pré-estabelecidas foi substituída por uma sensação de insegurança e incerteza. De fato, se os ritos têm como característica dar sentido às coisas do mundo, seu desaparecimento, ou pelo menos ser menos central na vida do humano, produz desordem e sensação de perplexidade. Em uma fase da vida como a adolescência, em que eles precisam de pontos de referência, isso pode significar que eles têm mais dificuldade de encontrar seu lugar no mundo.

Mas, como afirmamos na advertência, este artigo não é animado pelo anseio de um regresso ao ritualismo. Repito, porque quando se trata dessas questões, o risco de mal-entendidos é muito alto. Mais do que qualquer outra coisa, minha análise parte da impressão de ter cada vez mais jovens nas terapias por forte crise de identidade. Uma crise que deve nos questionar porque é de alguma forma produzida por nós adultos. Somos capazes de dizer que tipo de proposta fazemos aos jovens de hoje?

Alain Badiou, um grande filósofo francês contemporâneo, em seu livro “A verdadeira vida. Uma mensagem aos jovens”, retoma este tema trazendo-nos ao cerne do problema:

Na verdade, a questão que todos temos que enfrentar é a seguinte: a modernidade é a saída da tradição. É o fim do velho mundo das castas, da nobreza, das monarquias hereditárias, das obrigações religiosas, das iniciações da juventude, da subjugação das mulheres, da separação rígida, formalizada, oficial, simbolicamente muito eficaz entre o pequeno número de poderosos e as massas camponesas, trabalhadoras, nômades, desprezadas e trabalhadoras. […] Talvez o ponto mais surpreendente, e em todo caso o que devemos nos debruçar aqui, é que a saída do mundo da tradição, esse verdadeiro tornado que atinge a humanidade e em apenas três séculos varre formas de organização que duraram milênios, cria uma crise subjetiva cujas causas e alcance percebemos hoje.  E um dos aspectos mais marcantes disso é justamente a extrema e crescente dificuldade que os jovens encontram para se situar no novo mundo. Esta é a verdadeira crise.

 

Os jovens e seus “inimigos”

Para Badiou, que neste ensaio lança um apelo à corrupção dos jovens, nesta crise há dois inimigos internos que um jovem deve enfrentar. A primeira é a paixão pela vida imediata, pelo prazer, pelo imediatismo. Uma espécie de bulimia ao consumo que se ilude pensando que pode encontrar sentido simplesmente apreciando objetos. A segunda é a paixão pelo êxito, pela riqueza, pelo sucesso. A ideia, oposta à anterior, de encontrar um lugar na ordem social existente, de alguma forma tentar ocupar os melhores lugares e, assim, poder desfrutar de uma vida tranquila e serena. Contra esses dois inimigos, e reconhecendo o desaparecimento de ritos e tradições, Badiou propõe aos jovens que saiam, se exilem, tenham coragem de construir uma simbolização igualitária. Uma tarefa difícil, lembra o filósofo, porque até agora o mundo só conseguiu construir simbolizações sociais hierárquicas. Os jovens são assim chamados a uma tarefa inteiramente nova: a invenção, contra a ruína do simbólico na água gelada do cálculo capitalista e contra o fascismo reativo, de uma nova simbolização.

 

A sensação de perplexidade nos jovens e no outro

O sentimento de perplexidade dos jovens, a crise de identidade que estamos reconhecendo em muitos jovens, deve, portanto, empurrar o nosso olhar para o outro, aquele que é diferente de nós, o último. Deixando espaço para as especificidades de cada um para poder criar novamente um espaço social que não seja exclusivo, mas, pelo contrário, inclusivo. Nessa perspectiva, alguns movimentos juvenis acabam por desviar a atenção para a dimensão pública do ambiente em que vivemos, para a necessidade de não considerar o mundo a partir de uma perspectiva individualista. Tudo isso pode parecer utópico, mas não temos muitas alternativas. O vazio que o desaparecimento dos ritos deixou pode ser preenchido pelos objetos, pela compulsão de produzir, pelo consumismo desenfreado e sem sentido. Ou podemos tentar operar uma nova simbolização, que parte da transformação dos símbolos do passado para torná-los menos hierárquicos e mais inclusivos.

Uma coisa, pelo menos para nós, é certa. Os jovens precisam de uma nova proposta para não se perderem. E essa proposta que nós, adultos, devemos fazer, só pode nos ser sugerida por eles.

 

Washington Paranhos SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

 

Crédito: Shutterstock

 

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