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Infocracia: quanto custa um bilionário?

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Élio Gasda

Toda revolução nos meios de comunicação inaugura um novo regime de controle social. O controle da informação pelas mídias digitais inaugurou a infocracia ((HAN, Infocracia). Soberano não é apenas quem decide sobre o estado de exceção (Carl Schmidt). Atualmente, soberano é quem controla a informação e o processamento da informação impondo estados de exceção. Uma estratégia dos soberanos midiáticos é gerar um estado de disforia informacional em seus súditos. Ansiedade, depressão, inércia, angústia, desconcerto. É tática antiga das ditaduras.

Para conquistar e manter o poder é vital controlar a informação. As Big Techs dos bilionários querem decidir o destino da humanidade. Endeusados pela mídia, como Elon Musk, cuja riqueza ultrapassou a cifra do trilhão de reais, podem mentir, saquear, patrocinar golpes de Estado, guerras, colocar-se acima da lei.

Uma das estratégias da infocracia é a naturalização da estupidez e da reprodução de consumidores acríticos respirando fumaça e devorando agrotóxico. A mídia alimenta a obsessão das massas na busca de uma felicidade chamada mercadoria. A valorização pública da ignorância reforça a inércia reinante. A estratégia vem funcionando. Porém, ninguém pode dizer que não foi avisado. Fingir espanto é cinismo e ingenuidade. Faz parte do cotidiano. A conta chegou.

05 de setembro, Dia da Amazônia, está marcado pelo desmatamento, mineração, estiagem prolongada, seca intensa, mais de 5 milhões de hectares queimados, rios inavegáveis, comunidades passando fome. Não olhem para cima, dizem eles. É hora de tirar os olhos do celular e começar a olhar para cima, para os lados e para os invisibilizados e escravizados.

Estamos descobrindo na marra quanto custa um bilionário. Quantos cifrões há por traz de cada bomba assassina em Gaza, das ditaduras, da desigualdade e da fome, das queimadas e da destruição das serras, dos 34 graus em setembro. O custo de um bilionário também se evidencia na forma como os trabalhadores dos países periféricos são explorados. Sem piedade.

Em julho, durante as olímpiadas de Paris, uma mulher furou a bolha da infocracia. A boxeadora congolesa Marcelat Sakobi, mostrou ao mundo sua verdadeira luta: denunciou o silêncio da mídia que esconde uma situação de morte e terror vivida pelo seu povo: mão na frente da boca e dois dedos na cabeça simbolizando uma arma. Antes, na partida da semifinal da Copa Africana de Nações contra a Costa do Marfim, em fevereiro de 2024, os jogadores da seleção da República Democrática do Congo (RDC) fizeram gesto semelhante.

A maioria dos “internautas que não sai do celular” é incapaz de localizar no mapa mundi um país com a 15ª maior população do mundo, ignora sua importância para a economia mundial. O Congo é saqueado desde o século XIX. Entre 1885 e 1924 Leopoldo II, rei da Bélgica, escravizou, torturou milhares de congoleses para exploração de recursos naturais. Dez milhões de pessoas foram mortas. Uma barbárie. Nos anos 90, o leste do país foi diretamente afetado pelo genocídio na vizinha Ruanda. Desde 1996, já são mais de 6 milhões de mortos e 7 milhões de desabrigados. Seu IDH é o 13º mais baixo do mundo. 75% dos congoleses vivem com menos de 2 dólares por dia. Uma crise humanitária.

A RDC é um país essencial para as Big Techs. Suas reservas minerais valem 24 trilhões de dólares. Gigantes transnacionais de tecnologia, apoiadas pela oligarquia nacional, perpetuam a barbárie de Leopoldo II. O celular contém circuitos eletrônicos que dependem do coltan extraído no Congo, seu maior exportador. Coltan é a soma da abreviatura das palavras columbite e tantalite, de onde se extraem o nióbio (columbite) e o tântalo, minerais utilizados em microprocessadores, microcircuitos, baterias de mísseis, foguetes espaciais, airbags, celulares, carros elétricos e jogos eletrônicos. O aumento do número de mortos se deve à relação perversa entre elites políticas locais e os bilionários das Big Techs. Seres humanos tratados como ameaças, como coisas ou ferramentas descartáveis. Em nome do lucro. Em sociedade curvada à enganação e as lorotas midiáticas a indiferença é o novo normal.

Quem poderá frear a ganância predatória dos poderosos que sacrificam nações inteiras em seu próprio benefício? É insano continuar sonâmbulos em plena catástrofe gerada por uma “economia sem rosto e sem objetivo verdadeiramente humano” (Papa Francisco, Evangelii gaudium, 55).

Em 1799, Goya, artista espanhol, pintou um quadro intitulado O sono da razão produz monstros. É preciso acordar, ou manter-se acordado para não ser destruído pela irracionalidade que nos invadiu. Somente a percepção do absurdo pode nos levar a reação.

Finalmente estamos olhando para cima. Mas, cadê o azul do céu? Ainda falta começar a olhar para os torturados, roubados e massacrados na Palestina, no Congo, na Amazônia e em todos cantos do planeta, pelos cifrões dos bilionários da ditadura da infocracia. “É terrível que pessoas tão estúpidas tenham tanta influência” (George Orwell).

Élio Gasda é professor e pesquisador no departamento de teologia da FAJE

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