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Como votar diante de um cenário político tão deteriorado?

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Élio Gasda, SJ

O que está acontecendo? Até onde nos levará tanta insensatez? O que pode vir depois de uma cadeirada e um soco na cara? A normalização da bizarrice? A consolidação do fascismo?

A questão não é em quem se vota. Mas em quê se vota e por quê.

É importante considerar os aspectos que estão deteriorando a política:

O “político” foi substituído pelo “profissional da política”. Profissionais da política fazem da política sua profissão e usam da política para seus interesses pessoais. Já a política é uma vocação. Ser político é uma identidade. Como resgatar a política dos profissionais da política que renegaram seu ser político?

Os partidos são a forma de alcançar cargos legislativos e executivos. Temos um Congresso Nacional eleito por via partidária infestado de fundamentalistas e grandes empresários. Muitos, notoriamente corruptos, usam o Estado para aumentar sua riqueza e consolidar seus privilégios. Coligações partidárias coagem o eleitor a votar em partidos que contradizem frontalmente seus ideais. Remendos substituem projetos. Problemas sociais são reparados, nunca solucionados. Nesse deserto de ideias, o debate beira à mediocridade. Discute-se qual é o partido menos envolvido em corrupção. Conservadores se disfarçam de progressistas para ganhar eleições.

Aos currais eleitorais do coronelismo somam-se os currais eleitorais eclesiais. Alavancado pelo cristianismo fundamentalista, poder econômico, extrema direita fascista e saudosistas da ditadura, o fundamentalismo está em ascensão nas redes sociais, nas ruas e igrejas católicas e evangélicas. Assustador.

O fundamentalista religioso usa o nome de Deus para ganhar eleições. O uso ad absurdum do nome de Deus é blasfêmia e pecado contra o Segundo Mandamento (Catecismo, n. 2148). O Brasil é um Estado laico. Nenhum governo pode impor as doutrinas de um livro considerado sagrado por uma religião a toda a nação. É preciso enfrentar essa aberração antes que seja tarde. Nenhum político é escolhido por Deus. Deus não vota.

O fundamentalismo obscurantista é patologia que afeta o cérebro gerando a ignorância. As pessoas estão pensando cada vez menos. “Não há nada mais desolador que a ignorância em ação” (Goethe). São eleições em clima de indigência intelectual. Alguns candidatos parecem ter fugido da escola.

“Um povo ignorante é instrumento cego da sua própria destruição” (Simon Bolívar). Apedeutas intelectualmente limitados atraem eleitores incapazes de reflexão. Há um sério risco de Youtubers, instagramers, influencers, coaches serem eleitos. A internet está substituindo formas tradicionais de propaganda eleitoral. Redes sociais mudaram a dinâmica da política. A pobreza intelectual do eleitor o leva a identificar-se com candidatos intelectualmente pobres. Muitos candidatos disputam a imagem do ignorante.

A ignorância é a matéria prima do populismo. “Todo movimento fascista visa os ignorantes” (Adorno). A explicação simplificada da realidade, empobrecimento do vocabulário, incapacidade de compreender um texto breve como esse, a transformação de tudo em objeto negociável, leva à normalização de absurdos como o genocídio em Gaza, a emergência climática, os lucros dos bilionários, a fome, o trabalho escravo, o estupro, o fascismo e a tortura.

“O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota” (Nelson Rodrigues). As eleições podem significar a vitória dos idiotas. Quem são os idiotas e para que servem? Idiota é o oposto do cidadão. Em sentido grego, designa pessoa ocupada exclusivamente com sua vida privada, indiferente aos problemas sociais e às injustiças, acrítico e individualista. A valorização social da ignorância e o aumento dos idiotas leva à pós-verdade. Quem fala bobagem não se opõe à verdade, mas é indiferente à verdade (Rubens Casara). Na caça ao eleitor, a verdade, um dos pilares da democracia, é irrelevante. Como Donald Trump, os candidatos não se importam de serem desmentidos ao vivo.

Ou reinventamos a política ou nos preparamos para o pior. Se não queremos ser governados por apedeutas idiotas é urgente barrar a ascensão da ignorância. A democracia exige cidadãos com capacidade de cognição e reflexão.

Eleitores cristãos precisam manter a coerência entre fé e voto. A política é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum’” (Fratelli Tuti, 180). O voto é uma responsabilidade com os mais pobres. Eles estão no coração da caridade política: “As maiores preocupações de um político deveriam ser a de encontrar uma solução para a exclusão social e econômica … os políticos são chamados a cuidar da fragilidade, da fragilidade dos povos e das pessoas” (Fratelli tutti, 188). As políticas públicas dos candidatos deveriam servir de principal critério: educação, saúde e saneamento, moradia, geração de renda e trabalho, meio ambiente, transporte.

O discernimento é o instrumento imprescindível no momento de tomar decisões importantes como autorizar alguém a governar em seu nome. “O homem prudente age com discernimento. O insensato revela sua loucura” (Prov. 13,16). Nessas eleições, nos unamos à prece de Papa Francisco: “Rezo ao Senhor para que nos conceda mais políticos, que tomem verdadeiramente a peito a sociedade, o povo, a vida dos pobres” (Evangelii gaudium, 205).

Élio Gasda é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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