Papa Francisco, filósofo?

advanced divider

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ

Todos somos filósofos? Sim e não! Por um lado, academicamente poucos possuem essa profissão. Normalmente, chamamos filósofos aqueles que trabalham em universidades ou publicam livros de filosofia. Seus textos e falas costumam ser técnicos e específicos. Por outro lado, todos temos um olhar filosófico para com a realidade quando fazemos de nossas indagações sobre a existência como um todo, algo que nos coloca numa atitude reflexiva, seja diante do todo da realidade ou de algum aspecto particular da mesma.

A etimologia da palavra filosofia pode nos ajudar. Filosofia é a junção de duas palavras gregas: filos (amigo) e sofia (sabedoria). Assim, filosofia é um tipo de amizade para com a sabedoria. O filósofo é aquele que se compreende como amigo da sabedoria, aquele que se aproxima da sabedoria como amizade, amor, atenção, cuidado e simpatia. Ao aproximar-se da sabedoria, oferece sua companhia, entra em relação com ela e, humildemente, aprende com a sabedoria a ver e ler o mundo. Neste sentido, Papa Francisco é um filósofo.

Para aprofundar o caminho intelectual e filosófico de Papa Francisco dois livros ajudam. O primeiro “Jorge Mario Bergoglio – uma biografia intelectual (2018)” aponta as influências intelectuais e os caminhos de formação do Papa Francisco. O segundo “O Papa Francisco como filósofo (2021)” busca interpretar no pensamento de Francisco as influências filosóficas presentes, seja de autores, seja de escolas. Ambos os textos são excelentes por mostrar como a filosofia, mas não só ela, pode ajudar uma pessoa a viver um caminho de formação intelectual robusta e atenta à realidade. No caso de Papa Francisco, como referências mais ou menos explícitas a Juan Carlos Scannone, Ismael Quiles, Gaston Fessard. Michel de Certeau, Miguel Unamuno, Luigi Pareyson, Romano Guardini, Maurice Blondel, Paul Ricoeur, São Boaventura e Santo Tomás de Aquino, entre outros. Para dar uma ideia da abrangência da filosofia nos escritos de Papa Francisco, apresentou rapidamente algumas ideias filosóficas importantes.

Para começar algumas ideias epistemológicas. Para Papa Francisco, como bom herdeiro da tradição inaciana (que por sua vez é devedora do tomismo), o conhecimento é uma atividade humana que envolve memória, intelecto, vontade e afetos. Todo conhecimento é enriquecido pela diversidade humana que é melhor compreendida se comparada a um poliedro. O poliedro é uma figura geométrica complexa, de muitos lados, vértices e faces que produzem um conjunto harmonioso. Neste poliedro epistemológico algumas ideias-chave são importantes: (1) o tempo é superior ao espaço, (2) a unidade prevalece sobre o conflito, (3) a realidade é mais importante que a ideia e (4) o todo é superior à parte.

Ainda duas outras considerações são fundamentais: a linguagem e o contexto. Papa Francisco usa uma linguagem direta, simples e metafórica. Ele fala muito usando exemplos concretos do dia a dia para expressar suas intuições e ideias. Sem divagações abstratas e rebuscadas, faz uso de formas culturais muito próximas das pessoas, como a vida familiar, o mundo do trabalho, os sentimentos, as lutas humanas, as construções sociais e as imagens bíblicas tão próximas à mentalidade ocidental. Tudo isso dando grande valor ao contexto e suas particularidades como lugar, também, grávido de possibilidades, soluções e vida.

Entre as várias análise que poderíamos fazer, procurando nos escritos de Papa Francisco uma filosofia subjacente, vale apenas citar a “Carta Apostólica Sublimitas et Miseria Hominis” escrita no aniversário dos 400 anos de nascimento de Blaise Pascal. Para Papa Francisco, Pascal é o modelo do filósofo que busca, como sua reflexão e vida, a verdade: “Num século de grandes progressos em muitos campos da ciência, acompanhados porém dum crescente espírito de ceticismo filosófico e religioso, Blaise Pascal mostrou-se um incansável investigador do verdadeiro: como tal, permanece sempre inquieto, atraído por novos e mais amplos horizontes (n.1).”

Na Carta Apostólica sobre Pascal – “Grandeza e Miséria do Homem”, encontramos algumas ideias fundamentais sobre uma espécie de Filosofia da Religião Cristã, por assim dizer, que apresento muito resumidamente. (1) Jesus Cristo revela Deus e o ser humano: em Jesus Cristo, Pascal encontra o ponto fulcral para conhecer o humano, mas também o caminho, a verdade e a vida para conhecer a Deus. (2) A paradoxal grandeza e miséria do humano: paradoxo que permeia nossos pensamentos, sentimentos e ações, que pode nos levar a fazer grandes coisas em favor dos outros, mas que sempre nos chama à humildade de nossa fragilidade fundamental. (3) Fé e Razão como duas dimensões da vida humana: o diálogo entre essas duas dimensões da existência humana nos abre a uma vivência mais profunda da vida e sua vocação à eternidade. Nos ajuda a agir no mundo com atenção e eficácia, mas abertos aos mistérios da existência humana.

Portanto, para Papa Francisco a filosofia é uma verdadeira sabedoria. Melhor, uma verdadeira companheira de caminhada nesta busca humana por sentido e vida. Neste caminho, muitos filósofos ajudaram Papa Francisco a compor seu poliedro pessoal, sua forma de ver o mundo, de interpretar a realidade e de agir com discernimento. Sendo assim, Papa Francisco também é, a seu modo, um filósofo!

Elton Vitoriano Ribeiro, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e reitor da FAJE

Vatican News

...