Bruno Pettersen
Neste segundo semestre de 2025, ofertei, na graduação em Filosofia da FAJE, o seminário Por que o Mundo Existe?, baseado no livro homônimo de Jim Holt, publicado originalmente em 2012. Esse livro reúne algumas das reflexões mais instigantes da cosmologia contemporânea, da filosofia e da matemática, sempre articulando, de forma acessível, debates que atravessam desde Leibniz até autores atuais como Richard Swinburne e Derek Parfit. A proposta do curso foi analisar as principais tentativas recentes de responder à pergunta: por que existe algo em vez de nada?
A dinâmica das aulas foi marcada por exposições dos próprios estudantes: alguns se concentraram nos aspectos mais filosóficos e metafísicos do problema; outros exploraram as discussões teológicas que Holt apresenta; e houve ainda quem se detivesse nas hipóteses estritamente físicas. A cada encontro, além da apresentação dos capítulos, os alunos também traziam reflexões pessoais sobre a pergunta fundamental, o que deu ao seminário um caráter particularmente interessante.
A pergunta que atravessa todo o livro, e que estruturou nosso seminário é de simplicidade enganadora: por que o mundo existe? Como sabemos, essa formulação aparece por toda a história da Filosofia, indo de Agostinho até mais recentemente à Parfit. Holt atualiza esse enigma ao confrontar os argumentos tradicionais com hipóteses científicas recentes, mostrando que, do ponto de vista metafísico, científico e matemático, não faz sentido falar de um “estado anterior” ao universo, pois uma vez se esse estado é o nada, não há características nem propriedades, e, portanto, não se pode postular um antes do ponto de vista físico-matemático. Assim, a própria noção de “início” já demanda cuidado ontológico, porque supõe uma fisicalidade e temporalidade que não existia antes de o próprio mundo físico-temporal existir. Apesar dessas dificuldades conceituais, a pergunta continua a nos desafiar. Holt apresenta várias das grandes respostas contemporâneas ao problema, indo desde hipóteses mais familiares até explicações bastante especulativas. A mais conhecida é, claro, a teoria do Big Bang, muitas vezes apresentada a partir do clássico livro The First Three Minutes, de Steven Weinberg. Pela perspectiva cosmológica padrão, o universo teria emergido de uma concentração inicial de energia extremamente densa, cuja expansão deu origem ao espaço, ao tempo e às estruturas que hoje conhecemos. No entanto, mesmo essa teoria abre novas perguntas. Uma delas, que discutimos em aula, é porque essa energia inicial existia.
Holt discute então hipóteses como a flutuação quântica no que permitiria compreender o surgimento do universo como o resultado de uma instabilidade mínima no nível quântico. Essa é uma explicação elegante, mas não a única. Em nossas aulas, recorremos também ao físico brasileiro Mário Novello, com seu livro Do Big Bang ao Universo Eterno, no qual ele argumenta que talvez o universo não tenha tido início algum. Para Novello, existem modelos cosmológicos em que o universo é eterno, oscilante ou cíclico. Isso desloca a pergunta de “origem” para algo como uma condição estrutural e permanente de existência. Discutimos ainda, com alguma diversão, hipóteses mais ousadas mencionadas de passagem no curso, como a do universo holográfico.
Uma das partes mais ricas do livro de Holt é o confronto entre as posições ateias e teístas sobre a pergunta cosmológica. O filósofo Adolf Grünbaum, mencionado logo no início da obra, argumenta que a hipótese de Deus não é necessária para explicar a existência do universo. Grünbaum rejeita a ideia de que a pergunta “por que algo existe?” exija uma causa fundamental, ou que essa causa deva ter caráter metafísico ou teísta. Por outro lado, Holt também entrevista Richard Swinburne, um dos mais importantes filósofos da religião dos séculos XX e XXI, que defende que a existência de um Deus bom fornece a explicação mais simples para o surgimento do universo.
Um dos capítulos mais especiais do livro de Holt é dedicado a Derek Parfit, um dos grandes filósofos analíticos da ética e da metafísica contemporâneas. Parfit oferece uma das formulações mais ousadas para o problema, propondo uma teoria baseada na ideia do “grande seletor”: entre todos os universos possíveis, aquele que existe é o que satisfaz as condições racionais mínimas para que haja existência. Não se trata de afirmar que vivemos no “melhor” universo, mas naquele que se tornou possível segundo certos critérios de seletividade genéricos.
Ao final do seminário, ficou claro que nenhuma das respostas apresentadas por Holt, científicas, filosóficas ou teológicas, é completa. Talvez, como discutimos ao longo do curso, o máximo que possamos alcançar sejam respostas provisórias, arranjos conceituais que iluminam parte do problema, mas nunca o encerram. Isso não empobrece a investigação. Pelo contrário: dá a ela a tonalidade própria das grandes questões, aquelas que permanecem abertas e continuam a nos mover. Holt encerra seu livro com uma definição melancólica do The Devil’s Dictionary: “Filosofia, substantivo: um caminho de muitos caminhos levando de lugar nenhum a nada”. Apesar do tom sombrio, carrego dessa citação não um pessimismo, mas a sensação de que certas perguntas merecem ser cultivadas mesmo sem resposta final. Foi isso que tentamos viver juntos nesse seminário: a busca compartilhada por compreender, ainda que temporariamente, o mistério do existir.
Bruno Pettersen é professor no departameto de Filosofia da FAJE
04/12/25
