Sinivaldo Silva Tavares, OFM
Iniciamos há poucos dias o tempo litúrgico do Advento que, como exprime a própria palavra, significa: espera, expectativa. Aguardamos ansiosamente a vinda do Cristo, Sol nascente que nos vem visitar e anunciar alvissareira mensagem. O Advento é tempo propício, portanto, para “esperançar” – recorrendo ao neologismo de nosso querido e saudoso Paulo Freire – e fazê-lo com todas as forças e para além de toda eventual desesperança.
Uma das práticas singelas durante esse período é o costume de armar o presépio em nossos ambientes domésticos e de trabalho. Quem, por primeira vez, armou um presépio foi Francisco de Assis. Segundo o testemunho de frei Tomás de Celano, seu mais antigo biógrafo, o Poverello, movido por um forte desejo de experimentar os sentimentos do “Menino de Belém”, recriou em detalhes o cenário do nascimento do Salvador. Seu coração ardia pelo desejo de ver com os próprios olhos e tocar com as mãos o ambiente de um recém-nascido no interior de um estábulo, para sentir os mesmos sentimentos do Menino Jesus no mistério de sua humilde encarnação. Escreve Celano, “Sua maior intenção, seu desejo principal e plano supremo era observar o Evangelho em tudo e por tudo, imitando com perfeição, atenção, esforço, dedicação e fervor os passos de Nosso Senhor Jesus Cristo no seguimento de sua doutrina. Estava sempre meditando em suas palavras e recordava seus atos com muita inteligência. Gostava tanto de lembrar a humildade de sua encarnação e o amor de sua paixão, que nem queria pensar em outras coisas” (1 Cel 84).
Conta-nos ainda Celano que, naquela ocasião – dezembro de 1223, no vilarejo de Greccio –, acorreram muitas pessoas para a celebração do Natal. E que a Missa, a pedido de Francisco, foi celebrada ali mesmo no local onde ele havia armado seu presépio. Após a proclamação do Evangelho, Francisco teria pregado docemente ao povo falando do nascimento do “Menino de Belém”. Enquanto isso, sempre segundo Celano, “… um homem de virtude teve uma visão admirável. Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê dormindo, que acordou quando o santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato dormindo no esquecimento de muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança” (1 Cel 86).
Saltam à vista, nesse relato, elementos próprios de uma lenda. E toda lenda, como é sabido, remete-nos a experiências profundas que sutilmente se anunciam mediante preciosidades simbólicas. Chamam nossa atenção, antes de qualquer outra coisa, a singeleza e a simplicidade matinais de Francisco. Feito uma criança, ele quer ver, sentir, tocar o cenário do nascimento do Menino Jesus em meio aos animais para poder degustar a concretude da cena. E tudo isso para poder experimentar os mesmos sentimentos de Jesus que, por amor, se faz frágil bebê. Haveria fragilidade maior do que essa? A propósito, entre todas as criaturas, haveria criatura mais frágil do que um bebê, um recém-nascido? E, ademais, haveria situação mais frágil para um bebê que nascer no interior de uma rude estrebaria?
Francisco quer experimentar a fragilidade do Filho de Deus para poder sentir e compreender o imenso amor que lhe inspirou tão nobre e gratuito gesto de solidariedade e de enternecimento. Por isso, Francisco quer recriar com detalhes pormenorizados a singeleza desse mistério fontal de nossa fé. Pode acontecer de, sem nos darmos conta, teorizarmos demasiadamente a fé, abstraindo-a de toda e qualquer experiência quotidiana. Separamos tanto a ponto de contrapor aquelas realidades que o próprio Pai, na encarnação de seu Filho, uniu intima e intensamente.
Ademais, o intuito do Poverello de tornar presente o evento da encarnação, mediante símbolos sensíveis, é que levou os habitantes de Greccio a enxergar o “Menino de Belém” novamente presente. Só assim, na verdade, tem sentido celebrar o Mistério do Natal. Não teria o menor sabor recordar-se de uma data perdida há séculos. Só se celebra com sentido o mistério do nascimento do Menino Deus quando são recriadas condições para que ele continue nascendo em nós e entre nós no intuito de transfigurar nossas vidas. Por essa razão, Celano conclui seu relato dizendo que, naquela noite, “todos voltaram contentes para casa” (1 Cel 86). De fato, celebrou-se o Natal. Fez-se memória do mistério da encarnação do Filho unigênito de Deus. Com sua singeleza, Francisco tornou possível que o menino Jesus nascesse de novo nos corações das pessoas, no seio das famílias e, enfim, junto aos habitantes da cidadezinha de Greccio.
Que a singela tradição de armar cada ano o presépio em nossas casas e ambientes de trabalho rememore, portanto, a ternura e o cuidado do Poverello de Assis em fazer renascer entre nós o Menino Deus revestido de fragilidade e de impotência. Oxalá, nossos corações também se sintam tocados por tamanho enternecimento para que assumamos gestos de misericórdia e de cuidado para com todas as criaturas. E, seguindo o exemplo dos habitantes de Greccio, reconheçamos e acolhamos o Menino de Belém em seu despertar no âmago de nossas vidas, no seio de nossas famílias, no coração da história e nos meandros sutis da inteira Criação, nossa Casa comum.
Sinivaldo Silva Tavares, OFM é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
04/12/2025
