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“Tolerantia”: quando aprenderemos a conviver com o diferente?

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Graziela Cruz

O filme “Tolerantia” (2008, Bosnia-Herzegovina) encerrou a programação do Seminário Interdisciplinar em Direitos Humanos realizado nos dias 23 e 24 de setembro pela Dom Helder Escola de Direito e a EMGE, em parceria com a Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e o Observatório Social Dom Luciano Mendes de Almeida (OLMA), da Companhia de Jesus. O curta-metragem, premiado em vários festivais ao redor do mundo, serviu para motivar uma síntese reflexiva a respeito do tema do seminário, inspirado na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2021: “Diálogos para a paz: superação de conflitos, construção de caminhos”.

“Tolerantia” é uma animação em 3D produzida e dirigida pelo jovem Ivan Ramadan e, em apenas 6 minutos e 20 segundos, retrata uma mensagem universalmente capaz de ser compreendida. A animação é contextualizada numa era remota, primordial, na qual os elementos cenográficos, a configuração dos personagens e os arquétipos utilizados podem ser facilmente compreendidos, em diferentes contextos culturais e sociais.

E do que trata o filme? Justamente do oposto a que se refere o título: a intolerância, que, de acordo com a fábula, estaria na própria origem do ser humano. O filme apresenta uma ideia de que o ser humano, desde sempre, desde as primeiras expressões de cultura, de representação simbólica, de organização social, de delimitação de espaço e de estruturação de formas de convivência com o outro, manifestou a dificuldade de tolerar, respeitar, aceitar o diferente de si mesmo. Em diversas falas ao longo do seminário, os palestrantes chamaram a atenção para o risco que algumas sociedades correm hoje – repetindo outros momentos históricos – com ações de pessoas e grupos que buscam a privatização de Deus e da Religião; a legitimação de conflitos armados e de guerras em nome de Deus e o desrespeito aos direitos humanos em sociedades teocráticas, onde religião e governo se confundem.

É importante considerar o contexto histórico-social do diretor Ramadan – a região da Bósnia-Herzegovina – que esteve situada na República Federalista da Iugoslávia e que, a partir de 1991, vivenciou uma sangrenta guerra civil entre croatas, sérvios e muçulmanos, onde morreram 300 mil pessoas em combates e em práticas de limpeza étnica, realizadas principalmente pelos bósnios sérvios.

A partir de sua experiência pessoal, Ivan Ramadan retrata em seu filme esta temática tão urgente e oportuna, particularmente neste momento vivido no Brasil, que é a convivência social em sua diversidade de práticas e expressões, contra toda tentativa de autoritarismo ou desrespeito aos direitos essenciais da pessoa humana. O filme não termina com um “final feliz”, que nos inspire esperança na humanidade. Ao contrário (e aqui vai um “spoiler”…), os dois representantes dessa humanidade se destroem mutuamente, deixando apenas as ruínas de seus templos, como câmaras funerárias de si mesmos.

Nós somos chamados a ir contra essa intolerância, essa incapacidade de convivência com o diferente. E a alterar os rumos dessas realidades que estão aí, muito próximas de nós, de ameaça ao diálogo e à diversidade. O cinema pode ser um dos caminhos de expressão dessa resistência à intolerância e de manifestação da diversidade presente em nossa sociedade. Vivemos uma cultura midiática, imagética, e o cinema é um meio simbólico poderoso, capaz de seduzir as pessoas pelas imagens em movimento que propõem retratar a vida, como documento ou fantasia. Ele tem, ao mesmo tempo, o poder de registrar o presente, contar histórias do passado e projetar o futuro, de diferentes formas. A sétima arte abre espaço para a vida, a memória e suas representações, tocando as mentes e emoções de cada espectador.

Graziela Cruz é professora no departamento de Filosofia da FAJE

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