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Os Exercícios Espirituais, um modo privilegiado para conversar espiritualmente

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Alfredo Sampaio Costa SJ

Quem já teve oportunidade de fazer os Exercícios Espirituais em alguma de suas modalidades experimentou certamente o que é uma rica e verdadeira e própria conversação espiritual.
À primeira vista, para muitos, essa afirmação pode soar paradoxal, uma vez que os Exercícios Espirituais se vivem em uma atmosfera de isolamento e de silêncio que pareceria não favorecer em nada uma conversa. Ora, o que Inácio estabelece na vigésima anotação dos Exercícios sobre a necessidade de se afastar dos outros deve ser entendida a partir da finalidade desse afastamento, isto é, para servir e louvar o Senhor, para poder se aproximar do seu Senhor para receber suas graças e dons . E isso se faz conversando, cheio de gratidão!

Inácio fez na sua vida uma experiência da irrupção de Deus na sua vida que transformou a sua existência. Por isso ele insistirá que o mais importante e central para a experiência dos Exercícios é que “Deus quer e pode tratar diretamente com a sua criatura; que o ser humano pode experimentar como tal coisa acontece; que ele pode captar o soberano desígnio da liberdade de Deus sobre a sua existência; e isso não como algo que se possa calcular mediante um oportuno e estruturado raciocínio, como uma exigência da racionalidade humana[1].

Na conversação, a iniciativa cabe sempre a Deus: Deus quer se comunicar porque é Amor e o amor quer se comunicar sempre, como Inácio afirma na Contemplação para alcançar o Amor. Nos Exercícios, trata-se sempre de favorecer as condições para uma verdadeira e própria conversação espiritual, para esse diálogo transformante entre Criador e criatura:

“Naturalmente que não se trata de uma tentativa de forçar as comunicações divinas, mas sim de colocar o exercitante em alerta numa certa direção e de prepará-lo e torna-lo disponível à graça. Não obstante tudo isso, os métodos dos Exercícios são flexíveis, porque não são mecânicos, mas humanos e vitais. Vão se adaptando e simplificando-se conforme o processo avança e à medida que a atividade do exercitante vai se dobrando diante da operação divina”[2].

Nos Exercícios se dialoga sempre debaixo do pressuposto explícito de que o exercitante e aquele que dá os Exercícios têm ambos como horizonte final a Deus, Nosso Criador e Senhor:

“Os Exercícios são na sua dimensão mais profunda uma dinâmica, um movimento vital profundo do homem que realiza uma peregrinação ininterrupta de Deus a si e de si a Deus. A cada volta ele recarregado com energias sempre mais fortes e ao mesmo tempo pronto para aberturas cada vez mais largas. Começa a sair do seu modo de ver as coisas, da sua maneira de pensar para se colocar na órbita da mente divina”[3].

Tomar a sério como ponto focal dos Exercícios a comunicação direta de Deus é o que faz com que o guia dos Exercícios não se detenha naquilo que escuta e observa diretamente no exercitante, mas sim que esteja sempre aberto ao interior mais profundo de tal experiência. Portanto, os Exercícios se encontram desde o início no âmbito do homem-Deus que se doa livremente e no âmbito da livre magnanimidade do discípulo, que doa a sua liberdade sem reservas. Vivemos a experiência do dom ilimitado de nós mesmos como expressão da liberdade sem limites. No vínculo mais total, sopra a mais total liberdade[4].

Os Exercícios se apresentam como um caminho a ser percorrido e eles remetem ao fato da participação ativa da pessoa nesse itinerário[5]. Antes de mais nada trata-se de um caminho de oração. A oração é o primeiro esforço pedido ao homem, por meio do qual ele se deixa amar e se abrir a Deus. Ele aprende a permanecer na presença do Senhor para expor a Ele a sua vida. Sob a condução do Espírito, o homem é espontaneamente introduzido na oração sob as mais diversas formas, sem que elas possam ser reduzidas a uma maneira única de praticá-los. Os Exercícios não impõem nunca um método rígido ou uma maneira impessoal de vive-los.

Sob o efeito da graça e conforme as etapas em andamento, a oração mudará de forma, assumindo modalidades sempre mais simples e despojadas:

  • Examinar a consciência consiste antes de mais nada em dar graças pelos dons recebidos. É o reconhecimento desses dons que leva a pessoa a arrepender-se na transparência dos seus pensamentos, palavras e agir à luz de Deus.
  • Meditar é um caminho igualmente ativo que põe em movimento todas as capacidades humanas de compreensão e de querer.
  • Contemplar é um modo de rezar mais passivo, que consiste mais em receber, em um acolhimento atravessado pela maravilha, em um conhecimento interior e saboreado do Evangelho.

Se olhamos um pouco como se desenvolve o exercício da oração nos Exercícios, podemos logo observar que existe sempre uma estrutura dialogante[6]:

– O primeiro ato da oração é um exercício de pôr-se na presença de Deus, de reconhecer e tomar consciência diante Daquele a quem queremos rezar[7].

– Em todo exercício de oração há uma graça a ser alcançada: estas petições iniciais fixam o objeto do exercício e o propõem como o resultado de uma graça. O próprio fato de pedir a graça-receber a graça já estabelece a oração como um diálogo em processo.

– As meditações da Primeira Semana: alguém poderia argumentar que essas meditações não respeitam essa estrutura dialogal, porque parecem muito mais um ato de introspecção e de reflexão sobre um determinado tema. Ora, é preciso notar que nos Exercícios até mesmo as meditações acontecem dentro do marco do diálogo: querem levar o exercitante a se confrontar com a história da humanidade e com o projeto de Deus. O fruto buscado nessas meditações é descobrir a própria miséria exatamente quando (em uma relação dialógica) ela é confrontada com a infinita misericórdia divina.

– A assim chamada “Meditação do Apelo do Rei” (EE 91-98) apresenta desde o início uma estrutura dialógica: trata-se de um “apelo” que pede uma “resposta”. Pede-se a graça de não ser surdo ao chamado, mas prontos e diligentes para responder. A meditação propõe Cristo que fala aos seus discípulos, e os chama a estar com Ele. E Inácio insistirá sobre a qualidade da resposta que o exercitante deverá dar: deverá ser não uma resposta simples, mas uma total oblação de si.

– As Contemplações: por excelência elas têm um caráter relacional, porque pretendem colocar o exercitante em um contato direto e íntimo com o evento divino. Colocam o exercitante em relação com as pessoas que intervêm em cada mistério, principalmente com o próprio Verbo encarnado. A contemplação inaciana é um modo de se deixar interpelar pela Palavra pronunciada nas vicissitudes temporais da humanidade de Jesus Cristo.

– A Conversação espiritual no ministério de Jesus: chama a atenção que poucas palavras de Jesus chegaram até nós “proclamadas”. De fato, nos evangelhos uma grande maioria das palavras de Jesus nos foram relatadas em um contexto de “conversação espiritual”[8]. Ele dedicou grande parte do seu tempo tratando individualmente com indivíduos e pequenos grupos. Isso aparece de modo evidente sobretudo no evangelho de João, chamado o “evangelho dos encontros pessoais” de Jesus com André, Pedro, Nicodemos, a samaritana, o cego de nascimento etc. Inácio, colocando o exercitante para contemplar os mistérios da vida de Jesus, faz penetrar nesses diálogos e também ele se põe a dialogar com o Senhor nos colóquios. O exercitante é envolvido no Mistério e pelo Mistério que ele contempla.

Como você vive na sua oração essa experiência dialogante?

Qual modo de rezar lhe é mais fácil e qual requer mais empenho?

Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

[1] Karl RAHNER, Palabras de San Ignacio a un Jesuita de Hoy, Sal Terrae, Santander 1979, 4.

[2] Jesús GRANERO, La meditación ignaciana, Manresa 41 (1969) 256.

[3] Ignacio IPARRAGUIRRE, “Gli Esercizi ignaziani, chiave e anima della missione del gesuita”, in Servire nella Chiesa, Stella Mattutina, Roma 1973, 40.

[4] E. PRZYWARA, Deus semper maior, I, Freiburg 1938, 27-28.

[5] Monique VERHEECKE, Dieu et l’homme. Dialogue et combat, 11-12.

[6] Cf. Germán ARANA, El diálogo con Dios en los Ejercicios Espirituales, Manresa 68 (1996) 352-353.

[7] Cf. EE 75.

[8] Cf. Thomas CLANCY, The Conversational Word of God, 5.

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