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A Palavra como um “acontecer” e um “encontro”

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Washington Paranhos SJ

Estamos iniciando o mês da Bíblia, cujo estudo proposto para este ano é a carta aos Gálatas. É possível notar que nos meios de comunicação social encontramos inúmeros vídeos e reflexões a respeito desse importante livro que nos fala da liberdade em Cristo. Exatamente por estarmos no mês da Bíblia, vale a pena recordarmos que a Bíblia é o ponto de referência de nossa fé, é luz que ilumina e dá sentido e força à nossa caminhada.

Mais ainda, “A Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela” (BENTO XVI, Verbum Domini, 3). A vida cristã se nutre de uma espiritualidade a partir da Revelação, expressa tanto nas Sagradas Escrituras quanto na Tradição da Igreja. A experiência da escuta da Palavra de Deus se dá, de modo privilegiado, nas celebrações litúrgicas e se fortalece por meio dos Círculos Bíblicos, da Leitura Orante e do Ofício Divino, sobretudo quando esses promovem uma profunda interação entre a Palavra e a Vida. A catequese, entendida como caminho de fé, deve aprofundar sua vocação como Ministério da Palavra, pois todo o ensinamento da Igreja tem sua fonte na Sagrada Escritura. Deve-se considerar a realidade de cada comunidade, respondendo às suas necessidades e iniciando à vida cristã. A catequese deve primar pelo contato assíduo com a Palavra de Deus, tendo o Evangelho como norma para a vida cristã.

É necessário lembrar também que essa centralidade da Palavra de Deus verdadeiramente impulsionou a vida e a ação evangelizadora de nossa Igreja. Foi e continua sendo um marco decisivo e de muita importância a redescoberta da Bíblia, bem como o seu uso constante, não só pela Igreja Católica, mas por todas as Igrejas Cristãs no Brasil, colaborando verdadeiramente no crescimento e fortalecimento da experiência de fé das comunidades por todo o País. Realmente, constatamos que a Bíblia foi e continua sendo reconhecida e amada pelo povo em geral como Palavra de Deus, verdadeiro alimento para a mística, “lâmpada para os pés e luz para o caminho” (cf. Sl 119, 105). No entanto, nos últimos tempos, estamos percebendo um certo distanciamento e talvez uma surdez desejada dessa Palavra. Acredito que vale apena recordar as palavras do profeta Jeremias: “Esta é a nação que não escutou a voz do Senhor, seu Deus, e não aceitou correção. Sua fé morreu, foi arrancada de sua boca” (Jr 7,28). Mês da Bíblia, semana da Palavra, jubileus etc., tudo isso só terá sentido se esta palavra for encarnada e traduzir a experiência concreta na vida daqueles que fazem a experiência da Palavra. Uma reflexão a partir do gabinete nem sempre traduz a real experiência de quem vive a Palavra.

O Papa Bento XVI escreveu que o desejo do Sínodo realizado em 2008 era recordar a importância da Palavra de Deus na vida de cada cristão, na celebração da Liturgia, na catequese, na investigação científica, de tal modo que a Bíblia não permaneça uma Palavra do passado, mas uma Palavra viva e atual.
Na Exortação Verbum Domini, Bento XVI recorda que a Palavra de Deus está intimamente ligada à ação litúrgica, porque a proclamação e a escuta da Palavra ocupam um lugar central da liturgia. Isto porque o Cristo, o Verbo do Pai, nela está presente, e é ele mesmo que fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja, conforme o ensinamento da Sacrosanctum Concilium. Assim, a Liturgia constitui o âmbito privilegiado no qual Deus dirige a sua palavra à assembleia convocada e constituída pela Palavra, a qual o escuta e ao qual ela responde.

Talvez, o ponto que mais chama atenção na Exortação, é o que apresenta a Palavra de Deus como um “acontecer” e como um “encontro” (Cf.: KONINGS, 2011). Isso porque estamos habituados a ouvir falar da “Palavra de Deus” como um livro, a Bíblia, e quando se fala “o Verbo de Deus”, pensa-se imediatamente em Deus Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Evidentemente que é correto, porém a Exortação busca abrir os nossos olhos, bem como o nosso modo de pensar para o ato em si, o evento de comunicação de si mesmo que Deus realiza conosco, a sua autocomunicação, ou melhor explicitando, sua revelação. Não podemos desconsiderar essa realidade, pois ela é maior que a Bíblia. Devemos sempre recordar que a Bíblia é parte da Palavra de Deus e a contém de modo singular, todavia não é pura e simplesmente “a Palavra de Deus”. Pois como nos diz João, Jesus é a Palavra de Deus feita carne (Jo 1,14-18), mas também a Carta aos Hebreus: “Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nesses dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho…” (Hb 1,1-2).

Esse “dar a conhecer” não é um ensinamento estruturado em conceitos, dogmas ou teses doutorais, mas se trata de uma história que é narrada e exposta. Concretamente, é a história de Jesus de Nazaré. Por fim, esse acontecer, no qual Deus se dá a conhecer, só alcança plenamente o seu efeito quando se torna um encontro pessoal com Aquele que é sua Palavra, Jesus de Nazaré, e a base para essa experiência é a narrativa de sua história, enraizada na história de seu Povo. É importante contudo lembrar que, para que esse encontro se realize, não é suficiente ler essas histórias. É necessário o ambiente da Tradição viva que, iluminada e animada pelo Espírito de Cristo, o torna presente hoje em meio a nós, seja na proclamação, na memória celebrada e também na vivência na prática de vida.

Essa centralidade da Palavra na vida e na missão da Igreja é realmente indiscutível, e a importância cabe à coragem da escuta da Palavra. A escuta atenta da Palavra de Deus constrói a Igreja e encontra em Cristo a sua plenitude. Porém, essa escuta é tanto mais fecunda quanto é feita em comunidade que se reúne em nome do Senhor, pois é aí que Ele assegura a sua presença. Não há pastoral sem a verdadeira espiritualidade que nasce da Bíblia e da Liturgia.

Washington Paranhos SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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