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Os que se foram ficam

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Johan Konings SJ

“Vita mutatur, non tollitur” diz a liturgia das exéquias: “A vida é transformada, não tirada”. Neste tempo de muitas despedidas inesperadas, prematuras, às vezes chegando multiplicadas na mesma família, essas palavras devem ser mais do que um consolo barato. São Paulo as formulou de outra maneira: “Semeia-se um corpo material, ressuscita um corpo espiritual” … “nem todos morreremos, mas seremos todos transformados”… “os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Coríntios 15,44.51.52).

A mesma coisa que nossa fé chama a ressurreição de Cristo acontece a todos os que de alguma forma, seja pela fé professa, seja pela caridade vivida, são semelhantes a ele. Não é uma realidade física, ainda que o credo fala em “ressurreição da carne” – carne, corpo, corpo e alma são expressões que tem o sentido bíblico de pessoa humana individuada, identificada, mas não necessariamente física. Por isso Paulo falou em “corpo espiritual”. Mas é uma realidade. O espiritual não é menos real que o natural. Por isso, se acreditamos que o Ressuscitado está realmente presente, podemos acreditar também que os que nos deixaram “em Cristo” (no sentido amplo que indiquei acima) estão realmente presentes. Mas de outro modo do que estávamos acostumados. Não tirados, mas transformados.

O primeiro sinal dessa presença é a memória inapagável, o sentimento que cresce com o tempo se tiver como base uma experiência de amor, de retidão, de generosidade, de justiça. Ou mesmo, de busca talvez não bem concluída, mas que testemunha um desejo insaciável do mistério do amor infinito. Tudo isso não escapa à nossa percepção, mas há muito mais que não percebemos tão diretamente. É como se os amados estivessem presentes na “nuvem”, não no sentido de sumidos do mundo, mas como arquivos guardado na nuvem da internet, acessível em qualquer lugar, pelo menos, se tivermos a senha. E essa senha é a nossa fé. Ela abre o acesso aos que desde sua presença física entraram nessa presença duradoura. Duradoura, e mais rica que antes. Porque não mais exposta a quedas de força…
Mas achamos que o fisicamente ausente não está aí. Isso, porque não entendemos o que Jesus disse a Maria Madalena: “Não me toques”, ou “não me segures, eu ainda não subi…” (João 20,17). O modo certo para que essa nova presença se torne real para nós é largar a presença terrena. E então se realiza o que João descreve como a memória trazida pelo Espírito e a habitação em e entre nós graças à guarda do mandamento do amor (João 14,23).

Uma amiga que perdeu o seu irmão na pandemia reclamou com Deus: “Eu pedi tanto e você não me ouviu!” – “Como? Eu lhe ouvi! O que falta?” – “Quero-o em casa” – “Ele está em casa.” – “Aqui na minha casa!” – “Ah… você se expressou mal”… Depois a jovem me confiou: “Nunca falei tanto com ele quanto agora”. Isso é real.

Esta reflexão não é um tratado sobre a vida pós-morte, mas uma reflexão sobre o significado dessa vida para os que ficam. Só para dizer que essa percepção da presença é real, não ilusória. É importante crer que o não materialmente verificável “é” e “tem sentido”. Sentido vital. Aliás, o que é materialmente verificável não se crê mas se constata.

Johan Konings SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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