Johan Konings SJ
Em se tratando de educação, sinto imediatamente resistência a algumas frases corriqueiras: “é uma pessoa educada”, “tem erudição”. Valoriza-se uma pessoa que mostra certo refinamento nos seus modos, o que a eleva acima de outras pessoas, chamadas de rústicas, embora sejam “boa gente”. Chama-se “erudito” a quem não (ou não mais) é rude e sabe muitas coisas, diferente de quem é rude e tosco, dispondo de reduzido acervo intelectual e refinamento comportamental. Certo, a língua portuguesa não cai no extremo da língua neerlandesa (holandesa), que chama uma pessoa civilizada de “aplainada” (beschaafd), mas “erudita” não está longe disso! O jogo linguístico dos preconceitos se revela da maneira mais cômica no uso dos termos “pessoa de bem” e “boa gente”, a primeira sendo educada, erudita e, de preferência, provida de bens, enquanto a segunda é apenas boa…
Refletindo um pouco, vejo na educação duas dimensões: formação e informação. Formação no sentido da otimização das qualidades e potencialidades da pessoa, e informação no sentido de conhecimento de si mesmo, do mundo e dos assuntos que se tem/terá de gerenciar na vida. A primeira dimensão é a mais importante, pois a pessoa bem formada saberá como suprir as lacunas de informação, se for preciso, enquanto uma pessoa muito informada, mas de formação inadequada pode se tornar um monstro.
A educação, como formação e informação, não é uma invenção da Modernidade, dos humanistas ou dos jesuítas, de Rousseau, Humboldt ou Piaget. Antes desses, temos a paideia dos gregos, a torah (“instrução”) do antigo Israel, o tao (“caminho”) dos chineses… Uma visita à Amazônia pode mostrar que as comunidades humanas mais simples possuem alguma forma de educação, para que as crianças e adolescentes aprendam os saberes, costumes e procedimentos necessários para sobreviver. À primeira vista, parece que isso serve para o âmbito em que eles são inseridos por seu nascimento: a casa, a tribo, eventualmente o povo ou nação. Mas convém observar que, mesmo nessas comunidades mais simples, a educação abre o espírito para dimensões mais amplas, além dos limites da experiência, ainda que em forma de imagens e narrativas que costumamos chamar de mitos. Os mitos, mais do que explicações pseudofísicas, são maneiras de organizar, mediante a capacidade de significação, o universo em que a pessoa entra desde seus primeiros dias de vida e que não se deixa captar pela percepção imediata e experimentalmente verificável.
Nesse nível das comunidades mais simples, a educação demonstra, mais claramente que nas civilizações complexas, seu caráter de iniciação, de entrada no mundo dos adultos e da vida de todos. Para essa preparação serve o espaço das crianças, no qual acontece a iniciação, nas tabas dos índios ou nas escolas que nós conhecemos. Mas esses espaços particulares não são hermeticamente separados do espaço de todos, junto aos pais e outros jovens e adultos, na vida cotidiana, de modo que deve existir um intercâmbio indispensável entre o espaço da aprendizagem e o assim chamado “mundo real”.
Em cada sociedade deve existir educação para todos, senão não se pode falar em sociedade, mas apenas em aglomerado de humanos. A necessidade de exigir o direito à educação universal denuncia já por si uma anomalia. E se na grande maioria de sociedades que conhecemos essa educação lança mão de determinados meios e instituições (por exemplo escolas, ensino programado etc.), o direito à educação implica o acesso a esses meios, escolaridade geral e se preciso gratuita. Como os exemplos acima citados sugerem, a educação não deve ser um fator de discriminação, mas o antídoto da discriminação, porque procura proporcionar a todos um espaço vital na comunidade humana. E isso não é simples, nem nas sociedades menos complexas que chamamos primitivas (melhor seria dizer originárias), nem nas metrópoles onde hoje se amontoam os humanos.
Articular dialeticamente formação e informação: informação formativa e formação que também informe o conhecimento e a habilidade, através do contato com a realidade – no trabalho, no serviço, na arte e no lazer socializado, na vida afetiva e até na dimensão do místico e do transcendente.
Conversando com quem está com a mão na massa percebemos que há muitas ideias ou desejos não apenas maravilhosos, mas até exequíveis, desde que haja uma política para possibilitar essa realização. Não nos deixemos vencer pela desistência. Mantenhamos o sonho de que todos sejam educados, desde o catador de lixo até o presidente…
Pe. Johan Konings é jesuíta, doutor em Teologia, professor da FAJE e autor de diversas obras.