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Brasil, a barbárie em estado puro

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Élio Gasda SJ

Os bárbaros sempre estiveram entre nós, sobretudo no poder

Derivado do grego βάρβαρος, bárbaro, de sentidos múltiplos e até opostos, o conceito pode expressar admiração, surpresa, beleza. Mas também pode qualificar algo, alguém ou um ato cruel, desumano, incivilizado: Crime bárbaro!

Foi no Império Romano que a palavra ganhou conotação preconceituosa para definir os povos que não compartilhavam o mesmo idioma e a mesma cultura dos centros econômicos e culturais da época. Bárbaros e Romanos não eram povos tão distintos. As famosas “invasões bárbaras” foram responsáveis por um importante intercâmbio cultural que contribuiu na formação econômica, linguística e religiosa da Europa. Muitas “invasões” foram pacíficas, com aval de imperadores, e esses povos se integravam de forma consistente à civilização romana.

Hoje o termo “bárbaro” é aplicado para descrever quem se utiliza de violência em excesso sem refletir sobre seus atos e prejudica, assim, aos demais cidadãos. Violência em excesso não é só a força bruta.

Nossa sociedade já foi civilizada alguma vez? Uma ínfima minoria, já absurdamente munida de poderes e de privilégios detém o ‘direito’ de viver impondo a fome, a violência, a guerra, a escravidão ao resto da humanidade. Teima-se, em plena pandemia, perpetuar essa barbárie. À estupidez nada é impossível.

Não há limites para a barbárie. Barbárie é o conjunto de forças caóticas que colapsam as relações humanas e o equilíbrio interior, a psique. Sua natureza destrutiva está presente sob diversos aspectos: na ignorância, na incapacidade de atitudes positivas e criadoras, no desejo incontrolado de destruição.

A barbárie resulta de uma consciência totalmente vazia, incapaz de pensar. É ausência de pensamento sobre os próprios atos e suas consequências. O pensamento nos permite suspender uma ação, interromper um processo, estabelecer uma ruptura. Se os bárbaros que ocupam os poderes deste mundo tivessem pensado uma única vez, teriam suspendido essa máquina geradora de violência, destruição e morte chamada capitalismo.

Barbárie é a negação absoluta da civilização. É derrota da ética, não apenas da política. O bárbaro é aquele que não consegue mais reconhecer sua própria humanidade e recusa reconhecer a humanidade dos outros. Completamente entregue à sua barbárie, não existe gradação no bárbaro, apenas degradação. Há atos que são bárbaros porque, na decisão de seus autores, seus princípios ideológicos arruinaram qualquer sentimento humano. O bárbaro ignora restrições morais à crueldade. Banaliza a maldade. Não sente compaixão.

Os bárbaros sempre estiveram entre nós. Nossas relações sociais sempre foram mediadas pela violência. Casa grande e senzala, ricos e pobres, brancos e negros, trabalhador e patrão, homos e heteros, homens e mulheres. Uma elite econômica que fecha os olhos para as atrocidades.

A barbárie entre nós: 942 trabalhadores resgatados do trabalho escravo em 2020; mais de 30 milhões de pessoas sem moradia; mais de 200 mil brasileiros em situação de rua; quase 14 milhões de desempregados; 1800 feminicídios em 2020; presídios lotados de negros; queimadas na Amazônia, Crimes da Vale; genocídio indígena; criança preta morta por policiais despreparados; milhares de mortos pela Covid-19; falta de leitos, medicamentos e de profissionais da saúde; festas clandestinas;  cultos religiosos presencias.

Os bárbaros, onde estão? Ah! Esses estão no poder e não pretendem sair ou pôr fim as atrocidades. Estão nos tribunais proferindo sentenças absurdas. Comandam o mercado e o sistema financeiro. Também há bárbaros entre os oprimidos. Apoiam a força da bala em detrimento das leis. Um genocida não se elege sozinho.

Em meio à barbárie, os poderes da república preferem debater a abertura de templos religiosos. O povo pede justiça, saúde, vacina, trabalho. Quase 20 milhões estão passando fome, 117 milhões vivem sem acesso permanente a alimentos. Por que não discutir o aumento do auxílio emergencial? A esmola aprovada pelo governo (R$150,00 a R$375,00) cobre apenas 25% da cesta básica. Não tem dinheiro nem para o botijão de gás. Quase a metade da população não sabe ser irá comer todos os dias.

Como chegamos a essa situação? O que aconteceu para que reine a barbárie em meio a essa resignação coletiva? É grave, em plena democracia, observar a eliminação daqueles desnecessários à economia. A violência que são obrigados a suportar frente à passividade de todos, inclusive a deles próprios. Quem grita, a não ser as vítimas?

O que acontece no Brasil é a barbárie em estado puro. Se for para abrir os templos, que seja para abrigar os sem-teto e alimentar os famintos. Tanta gente discutindo eleição enquanto contamos os mortos. Bárbaros governam enquanto os covardes toleram.

Na falta da coragem não é a apenas a segurança individual que está em jogo, mas a existência da humanidade. Somente a coragem é capaz de nos proteger da devastação. É preciso denunciar a barbárie que se apresenta sem disfarce na política de extermínio bolsonarista.

A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las (Santo Agostinho).

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador da FAJE e autor de diversas obras.

Fonte: Dom Total

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