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A Conversação em Inácio de Loyola

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Alfredo Sampaio Costa SJ

A vida de Inácio nos coloca em contato com seu modo de conversar em distintos modos ao longo do seu itinerário existencial: como fidalgo leigo, como penitente convertido, como estudante, como sacerdote, como jesuíta e finalmente como Superior Geral da nova ordem religiosa por ele fundada. Ainda que Inácio de Loyola pareça pouco amante de palavras desnecessárias, resulta sempre um conversador atento e ameno para seus interlocutores.

Como fidalgo, seu falar em família e com as pessoas parece uma conversação natural, universal, leiga e mundana. A estadia na corte de Castilla lhe facilita a relação com pessoas muito distintas. Torna-se um homem educado e culto, amante de palavras bonitas, leitor de livros de cavalaria, que pode exercitar sua linguagem tanto na prática do amor cortês como em poemas de cunho religioso. Torna-se, pois, interlocutor discreto e conversador interessado. Durante os 4 anos a serviço do Duque de Nájera, participou em conversações que poderíamos chamar políticas, pois incluía negociações entre bandos para tentar restabelecer a paz na província de Guipúzcoa.

Também devemos pensar que, nos anos anteriores à sua conversão, utiliza a conversação para fins muito mais interesseiros e pessoais, como em sua relação com as mulheres. Quanto alude nos Exercícios ao sedutor secreto (EE 326) que utiliza “palavras e persuasões” para conquistar “uma filha de um bom pai ou a mulher de um bom marido”, podemos pensar que tal imagem tenha algo a ver com a experiência vivida pelo próprio Inácio?

Como penitente convertido, Iñigo sabe calar e ser discreto, e nos primeiros momentos de sua conversão vive em silêncio exterior o seu diálogo interior. Já se afirmou que a origem da conversação espiritual de Inácio é a palavra interior da comunicação com a Trindade, em recolhimento; de modo que antes de falar de Deus, Inácio fala com Deus (1). Não só, mas necessita também escutar a si mesmo, examinar seus sentimentos e sua oração, anotar o que lhe chama a atenção daquilo que lê, ora e sente. Uma vez seguro da direção de seus sentimentos e da verdade de sua decisão, o neoconvertido Iñigo começa a comunicar de algum modo algo do que se passava no seu interior (2) .

Falar com os outros de Deus

Inácio de Loyola foi um homem que viveu uma profunda experiência de Deus. Ao fim da sua vida, os seus companheiros suplicaram que lhes contasse essa história do seu diálogo com Deus a fim de que também eles pudessem tirar proveito de tal experiência. Após muito relutar, Inácio concordou em ditar o seu relato hoje conhecido como Autobiografia ou Relato do Peregrino, onde ele deixa entrever como o Senhor tratou com ele de modo particular, ensinando-o. Inácio percebeu desde cedo que do mesmo modo como Deus conversava com ele e ele com Deus, era preciso também conversar com os outros espiritualmente (3) . Assim que desde o início Inácio procurará empreender conversas espirituais com as pessoas que lhe eram próximas: já em Loyola, durante a sua convalescença, “entretinha-se com aqueles de casa, empregando todo o seu tempo nas coisas de Deus e com isso alcançava a eles proveito espiritual” [Aut. 11].

Em seguida em Manresa: “Naquele tempo se entretinha ainda, com pessoas espirituais que, tendo confiança nele, desejavam lhe falar. Não que tivesse conhecimento da vida espiritual, mas provavelmente porque, ao falar, mostrava muito fervor e muita decisão de progredir no serviço de Deus” [Aut. 21].

Naquele período acontecia que, muitos dias, era ávido em entreter-se sobre coisas espirituais e de encontrar pessoas que fossem capazes disso” [Aut. 34]

O seu método é digno de nota: o seu modo é dialogal. Nas conversas que Inácio tinha com as pessoas, buscava sempre ajudar as almas, partilhando com elas as luzes e graças que ele mesmo tinha recebido na sua experiência de oração. Como nos conta Polanco: “E porque estas verdades tiveram um grande efeito na sua alma, ele queria assistir aos outros por meio delas. Sempre teve estes desejos de comunicar aos outros o que Deus lhe havia dado” (4) .

Este desejo de ajudar as almas, que nasce da experiência mística de Manresa, encontrou dois canais principais ao longo de toda a sua vida: o conversar espiritualmente e as obras corporais de misericórdia.

Voltando da Terra Santa, em Barcelona, Inácio fala espiritualmente em privado com várias pessoas, recebe e atende à muita gente, especialmente mulheres distintas; tem conversações com as monjas jerônimas de São Matias, com as beneditinas de Santa Clara (de cuja conversação sairão as magníficas cartas a Teresa Rejadell); e finalmente, a partir de várias conversações e exercícios espirituais, reúne os primeiros companheiros, Calixto de Sá, Lope de Cáceres e Juan de Arteaga.

Posteriormente, em Alcalá (Aut. 57-61), aparece como um grande conversador espiritual. Quando mais tarde, em Salamanca, os dominicanos duvidaram da sua ortodoxia e o interrogaram, perguntando-lhe: “O que você prega?”, Inácio respondeu: “Não prego: apenas converso familiarmente com alguém sobre as coisas de Deus” [Aut. 65].

Grande parte do ministério de Inácio consistiu, portanto, em conversar espiritualmente e dar o catecismo. Na Espanha, onde esteve habitando em um hospital, “ali começou a falar das coisas de Deus a muitos que vinham lhe visitar, e com a ajuda da graça derivam daí frutos abundantes” [Aut. 88]. Também mais tarde, em Veneza, o peregrino “ocupou-se em dar Exercícios e outras conversas espirituais” [Aut. 92].

Já instalado em Roma, Inácio mantem conversações, dá Exercícios, confessa a homens e mulheres, leigos e eclesiásticos, nobres e plebeus, políticos e gente comum, podendo-se dizer que era o padre espiritual de muitos e de muitas (5) . Em Roma, no seu novo papel de Superior geral, mantém conversação verbal e escrita com os companheiros espalhados por todo o mundo.

Inácio tinha um dom particular para essas conversas e considerava de grande importância esses colóquios amigáveis para poder falar das coisas de Deus. Os primeiros companheiros atribuíam a extraordinária força sobrenatural da conversação espiritual do Fundador ao seu contínuo conversar com o Senhor, à sua familiaridade com as três Pessoas divinas: “Em todas as coisas encontrava a Deus: nos negócios, nas conversações...”(6) .

Assim que, desde o início, o binômio “conversações espirituais – exercícios” parecia resumir na mente de Inácio a sua concepção apostólica. De fato, em uma de suas cartas encontramos um trecho onde Inácio parece sintetizar a vocação do jesuíta exatamente em termos de “conversar”: “Segundo nossa vocação, conversamos com todos” (7) .

PARA REFLETIR:
Falamos de Deus com as pessoas? Trazemos o desejo de partilhar nossa experiência espiritual para, com ela, ajudar a outros?

Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE


1 – D. RESTREPO LONDOÑO, Diálogo: comunión en el Espíritu. Las conversaciones espirituales en San Ignacio de Loyola (1521-1556), Cire, Bogotá 1975, 106-121.
2 – Luís María GARCÍA DOMÍNGUEZ, La entrevista en los Ejercicios Espirituales, 26-27.
3 – Um trabalho interessante sobre esse tema é o de Simon DECLOUX, La manera en que Dios nuestro Señor acompaña a Ignacio. Paradigma de nuestra manera de proceder en la relación “para ayudar a las almas”, CIS 36 (2005/1) 6-22.
4 – Citado por Javier OSUNA, Friends in the Lord, London 1974,12.
5 – S. THIÓ, Ignacio, padre espiritual de mujeres, Manresa 66 (1994) 417-436.
6 – J. NADAL, Acta quaedam, MI, Scripta I, 472.
7 – MI, Epp. IV, 627.

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