Bruno Pettersen
A reflexão filosófica conduz à melancolia? Não é uma novidade na filosofia a relação entre a racionalidade e suas intricadas pesquisas e o surgimento da tristeza diante dos resultados encontrados. Será que há algo mesmo na razão que nos leva à tristeza?
Uma primeira possibilidade diz respeito às dificuldades inerentes à pesquisa filosófica. Embora tenhamos momentos de diálogo, a reflexão é quase sempre solitária. Há sim um aspecto de conversação, como as aulas e as trocas com possíveis parceiros de pesquisa, mas não há qualquer dúvida de que a reflexão central será realizada por meio dessa introspecção. Apesar de pessoalmente gostar desse aspecto, sei que o pensar sem partilhar nos torna cada vez mais insulares, o que vez ou outra conduz à melancolia.
Ainda há a dificuldade de encontrar algum resultado real para a pesquisa. Imagino ser possível trazermos algum nível de luz a um assunto, mas a solução de um problema filosófico fundamental parece-me muito improvável. Essa sensação conduz a um período de dúvidas quanto ao próprio fazer da pesquisa, o que por si só é bastante infeliz.
Por último, há ainda a questão da mecanização do pensar. Como a filosofia está no ambiente universitário, ela quase sempre não participa de debates pragmáticos, sendo constantemente alienada da vida. Isso, quando somadas as condições de instrumentalização da pesquisa como a sua vinculação a bolsas e salários, faz com que sejam produzidos artigos e livros profundamente abstrusos que serão lidos por uma ou duas pessoas, sem impacto nem na reflexão humana, nem mesmo nas pessoas.
David Hume (1711-1776), que é um dos meus pensadores favoritos da história, partilhava vez ou outra dessas dificuldades, e no seu Tratado da Natureza Humana, justamente ao final de uma complexa investigação sobre as crenças, nos conta assim:
Felizmente, acontece que, uma vez que a razão é incapaz de dissipar essas nuvens, a própria natureza é suficiente para esse propósito e me cura dessa melancolia filosófica e delírio, seja relaxando essa inclinação da mente ou por meio de alguma distração e impressão viva dos meus sentidos, que apagam todas essas quimeras. Eu janto, jogo uma partida de gamão, converso e me divirto com meus amigos; e quando, após três ou quatro horas de diversão, eu gostaria de retornar a essas especulações, elas parecem tão frias, forçadas e ridículas que não consigo encontrar em meu coração vontade de continuar com elas.
Nesse sentido, para Hume, e também para mim, a solução para a melancolia do pensar e fazer filosófico pode ser simplesmente a diversão. Deixamos de lado a profundidade da razão para iniciarmos uma refeição ou um jogo.
Mas será que jogar tudo para cima e deixarmos a razão de lado é realmente a resposta?
Há uma famosa história contada em toda a tradição do ceticismo, onde um pintor chamado Apeles pintou um cavalo com grande maestria, mas tinha grande dificuldade para desenhar a espuma da boca do cavalo. Depois de algum tempo tentando acertar a pintura, Apeles foi ficando cada vez mais frustrado porque não conseguia o resultado esperado. Até que ele, em um rompante de fúria, atira o pincel no quadro e isso faz com que acidentalmente a espuma fique perfeita. Essa história é contada usualmente para nos ensinar sobre como a insistência, mesmo em algo que somos plenamente capazes, nos inabilita de resolver os problemas mais fundamentais.
Isso não quer dizer que a vida deve ser imersa em diversão. O período contemporâneo é de distrações constantes em todo tipo de redes sociais e mídias. A maior parte dessa vida de hoje nos torna insensíveis à própria reflexão prolongada. A questão é ter mecanismos para lidar com a melancolia que, em minha opinião, é sim um subproduto da reflexão. Especialmente quando tudo parecer perdido, a distância e a diversão são ferramentas imprescindíveis.
Entre os extremos da melancolia e da reflexão e lembro-me de Blaise Pascal (1623-1662), que dizia que “Por ser incapazes de curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se de não pensar nisso tudo”. Às vezes, se enfurnados em nossas reflexões e obrigações da vida, tudo parecer insolúvel, pode ser que realmente o seja. E que pode ser que momentaneamente a resposta para tal angústia não é pensar, mas ir jogar um jogo e comer uma comida agradável.
Bruno Pettersen é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE