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A lição da borboleta – Uma parábola da vida

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Luiz Sureki, SJ

Conta-se que um homem, certo dia, viu surgir uma pequena abertura num casulo. Sentou-se perto do local onde o casulo se apoiava e ficou a observar o que iria acontecer, como é que a lagarta conseguiria sair por um orifício tão miúdo. Mas logo lhe pareceu que ela havia parado de fazer qualquer progresso, como se tivesse feito todo o esforço possível e agora não conseguisse mais prosseguir. Ele resolveu então ajudá-la: pegou uma tesoura e rompeu o restante do casulo. A borboleta pôde sair com toda a facilidade…, mas seu corpo estava murcho; além disso, era pequena e tinha as asas amassadas.

O homem continuou a observá-la porque esperava que, a qualquer momento, as asas dela se abrissem e se estendessem para serem capazes de suportar o corpo que iria se firmar a tempo. Nada aconteceu! Na verdade, a borboleta passou o restante do pouco tempo que teve de vida rastejando com um corpo murcho e asas encolhidas. Nunca foi capaz de voar.

O que o homem em sua gentileza e vontade de ajudar não compreendia era que o casulo apertado e o esforço necessário à borboleta para passar através da pequena abertura eram o modo natural que fazia com que o fluído do seu corpo circulasse até suas asas para que ela ficasse pronta para voar assim que se livrasse daquele invólucro.

Árduo esforço é muitas vezes aquilo de que precisamos em nossa vida. Na verdade, é o modo natural de tornar-se forte. Neste sentido, muitas das dificuldades que surgem no processo de crescimento pessoal, muitas das provações enfrentadas no campo espiritual, muitas das adversidades no âmbito das relações humano-afetivas não são simplesmente negativas. Sem dificuldades, provações e adversidades, nossa condição física e psíquica, nossa capacidade criativa, nossa inteligência, nossa personalidade, permanecem frágeis como às de um bebê!

É claro que o período de gestação de uma vida humana tem um tempo de duração determinado em meses. Não é possível ao bebê se manter no ventre da mãe por anos, assim como não é possível à lagarta se manter no casulo por tempo indefinido. Chega o momento em que a bolsa amniótica se rompe, assim como chega o momento em que o casulo é rompido. O nascer é um fenômeno acompanhado de esforço, é traumático, doloroso. No entanto, bem sabemos que abreviar temporalmente de modo artificial esse processo vital cortando o casulo com uma tesoura ou a barriga da mãe com um bisturi pode resultar numa mutilação do novo ser. Que fique bem claro que não estamos dizendo que todo parto humano deve ou deveria ser natural, mas sim que a intervenção cirúrgica (cesariana) respeita o tempo minimamente necessário de gestação, e que isso é fundamental para o nascimento de um bebê saudável, bem constituído. Quanto ao exemplo do casulo, certamente um biólogo teria maior conhecimento acerca da possibilidade ou mesmo da eventual necessidade de uma intervenção artificial, afinal se a borboleta, por algum motivo, não pudesse naturalmente sair dele, nele morreria à semelhança de um bebê que não conseguisse naturalmente sair do ventre da sua mãe.

O caso é que o processo natural de crescimento e fortalecimento do ser humano não termina com o seu nascimento. Este foi uma das etapas do seu processo de constituir-se como ser humano. A esta etapa se seguem outras, cada uma com sua especificidade, mas também com suas dificuldades próprias, cujo tempo, mais uma vez, não pode ser abreviado artificialmente.

O superprotecionismo, por exemplo, por parte de pais em relação aos seus filhos é o tipo de atitude que está longe de converter-se em algo positivo para a vida. Protegidos dos esforços e dos desafios, as crianças e adolescentes acabam futuramente se mostrando pessoas muito frágeis, incapazes de enfrentar e de lidar com problemas da vida. Dispensados de tomar decisões importantes, eles acabam se convertendo em pessoas indecisas e, por isso, facilmente manipuláveis; não sendo ensinados a responder por si mesmos, acabam se revelando pessoas irresponsáveis, indiferentes e, por conseguinte, muito pouco confiáveis; não tendo que se preocupar em cuidar de si mesmos, se tornam não só dependentes da proteção dos pais como também incapazes de cuidar dos outros, incluindo muitas vezes, depois, a incapacidade de cuidar dos próprios pais! Quando fragilidade emocional, indecisão pessoal, irresponsabilidade prático-social, incapacidade intelectual em buscar e encontrar por si mesmo um sentido para a própria vida na relação com os outros e em solucionar problemas se ajuntam, o caos social vai se anunciando naturalmente.

O autor desconhecido da “Parábola da Borboleta” concluía seu relato dizendo:

Eu pedi forças, e Deus me deu dificuldades para me fazer forte. 

Eu pedi sabedoria, e Deus me deu problemas para resolver.

Eu pedi amor, e Deus me deu pessoas com problemas para ajudar. 

Eu pedi favores, e Deus me deu oportunidades.

Eu não recebi nada do que pedi, mas recebi tudo o que precisava.

 

Se é verdade que precisamos de dificuldades para nos tornar fortes, de problemas para nos tornar sábios, de pessoas não amadas para aprendermos a amar, de situações de conflitos humanos para exercermos nosso potencial humano-pacificador e fraterno, de oportunidades para podermos crescer integralmente, então haveremos de concordar que hoje temos tudo o que precisamos para nos tornar pessoas mais fortes, mais sábias, mais amorosas, mais conscientes acerca da vida e do que fazemos com nossa vida, cuja beleza está também e especialmente na fragilidade.

A “Parábola da Borboleta” nos diz que antes do tempo, compreendido como processo vital natural necessário para formar-se (fortalecer as “asas”), e isso com grandes esforços, não se está pronto para “voar”! Muitas pessoas têm seu processo natural abreviado por intervenções supostamente facilitadoras ou protecionistas realizadas por outros em relação a elas de modo artificial. O resultado é que nunca conseguirão realmente “voar”. E a isso devemos acrescentar o fato de que voar em liberdade é um exercício perigoso! Muitos preferem a segurança oferecida a eles ao modo de ficar e viver numa gaiola. O fato é que ainda que seja uma gaiola de ouro, não deixa de ser, do ponto de vista de quem nela está preso, uma gaiola como qualquer outra, afinal a liberdade de alguém não se mede pelo material de que a gaiola é feita! Ninguém de nós tinha consciência para decidir ou não ter sido gerado e nascer, mas temos agora na fase adulta de nossa vida não só o poder, mas principalmente o dever de decidir por nós mesmos, com responsabilidade intransferível, o que vamos fazer com nossa vida, que sentido daremos a ela independentemente do que os outros projetaram sobre nós.

Nem todos os que facilitam nossa vida são realmente nossos amigos, e nem todos os que dificultam nossa vida são realmente nossos inimigos. Pense nisso!

Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE

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