Élio Gasda, SJ
Esta semana acontece em Brasília o 21º Acampamento Terra Livre (ATL). Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e sete organizações regionais, o evento reúne mais de seis mil representantes de 200 povos, delegações de nove países da bacia amazônica (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname), além de Canadá, Austrália e Ilhas do Pacífico. Um dos maiores encontros de povos indígenas da América Latina.
O Acampamento é um espaço de debate das principais questões sobre direitos indígenas. Uma delas é a extinção da Lei 14.701/2023 aprovada pelo Congresso, que instituiu o marco temporal, já declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Tramita no Senado uma Proposta de Emenda à Constituição para inserir o Marco Temporal na Constituição. Um ecocídio legislado, um apagamento da impunidade para as atrocidades cometidas contra os povos indígenas? “A violência policial contra indígenas e o Marco Temporal são como repetir crimes da ditadura militar contra os povos originários” (Bernard Duhaime, relator da ONU). É isso que o Congresso quer?
“Não são governos mais de esquerda ou de direita que determinam a questão da demarcação de terras ou a violência contra os indígenas. O agronegócio, a pecuária e as mineradoras é que determinam quais os territórios indígenas que serão explorados dentro desta lógica” (Aloir Pacini). A natureza é uma mercadoria. A política indigenista é ínfima refém dos interesses do capitalismo extrativista de madeireiros, mineradoras e agronegócio. Centro Oeste e Norte do país se transformam em estados sem Amazônia Legal, sem Cerrado, sem Pantanal, sem água. Um deserto de monoculturas para atender o mercado externo. O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo. Mas não é comida, o agronegócio produz commodities. Inimigos dos povos indígenas estão no Congresso e na base de sustentação do governo. A violência permanece. Frustração diante de promessas não cumpridas. Quase nada avança. É tão pouco o que pedem: o direito à terra.
A demarcação é a reivindicação principal, sem ela não há democracia. O direito dos povos indígenas ao território é congênito e antecede a existência do Estado brasileiro. É cláusula pétrea. É obrigação da União fazer a demarcação. Mas, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), 156 terras indígenas estão em fase de estudo (primeira etapa do processo de demarcação), outras 37 tiveram seus limites demarcados e 70 foram declaradas pelo Ministério da Justiça (momento que antecede a homologação). 867 terras indígenas estão com alguma pendência administrativa impedindo a sua conclusão, informa o Conselho Indigenista Missionário. Injustificável demora.
Mais do que um enfrentamento territorial, é a resistência contra um sistema que reduz a natureza e os povos a mercadoria e a recurso a ser explorado. Não é só uma luta pela posse da terra. É uma luta pelo sentido da existência, por outras possibilidades de conviver com a natureza. Há outros saberes. Existem direitos das comunidades locais, e, um ecossistema a ser preservado. Uma ecologia integral! A demarcação é uma barreira natural contra o desmatamento, a mineração e a desertificação. As áreas ocupadas por indígenas são as menos desmatadas do país. Apenas 1% contra 17% nas áreas privadas nos últimos 38 anos (MapBiomas).
A Conferência do Clima, COP30 (Belém do Pará), é outra pauta do Acampamento. O objetivo é construir uma aliança internacional dos povos indígenas. Nesse contexto, são debatidos temas como o fim dos combustíveis fósseis, transição energética justa, urgência de planos ambiciosos para enfrentar as mudanças do clima e a reivindicação para que os recursos de financiamento climático sejam repassados diretamente aos povos indígenas.
No primeiro dia do Acampamento foi lançada a declaração para a COP30: Unidos pela Força da Terra: a Resposta Somos Nós. “As maiores autoridades climáticas somos nós, os Guardiões da Terra, as lideranças indígenas”, proclama o documento. A declaração é um chamado ético urgente à ação. A crise climática não espera. Os governos estão falhando na busca de soluções. O que acontece com os povos indígenas afeta a humanidade inteira e o planeta.
Em se tratando de resistência, os povos indígenas estão forjados em uma milenar luta pela vida. Com coragem e sabedoria ancestral, jamais abandonarão seu território sagrado. Anna pata, Anna yan, “nossa terra, nossa mãe”, dizem os Macuxi! Mãe não se abandona.
Para os cristãos, “é compromisso evangélico e profético da Igreja. Defendemos a causa indígena como causa do Reino” (Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da CNBB).
Os povos indígenas não têm outra escolha: lutar ou lutar: “Enquanto lutamos por eles e com eles, somos chamados a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles” (Querida Amazônia, 71-72). Resistiremos com eles?
Elío Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
Foto: Guilherme Cavalli – Assessoria de Comunicação CIMI