Elton Vitoriano Ribeiro, SJ
É possível para a filosofia moral e política contemporânea enriquecer sua reflexão com a tradição aristotélico-tomista das virtudes? A resposta a essa pergunta guiou o pensamento de MacIntyre que faleceu no dia 22 de maio de 2025 nos EUA.
Alasdair MacIntyre nasceu no ano de 1929 na cidade de Glasgow – Escócia. Educado num ambiente típico das tradicionais comunidades célticas, desde sua juventude sentiu-se fascinado pela força moral dessas comunidades, que se caracterizavam pela busca dos bens humanos, em contextos de colaboração e de produção de modelos de excelência e virtudes.
MacIntyre teve uma formação filosófica, em seu início, marcada pelo marxismo e pela filosófica analítica. Suas primeiras pesquisas se direcionam para os problemas de ética, numa abordagem estritamente filosófica (metaética, epistemologia, história da ética, filosofia política), mas em constante diálogo com os problemas contemporâneos. Sua preocupação com a história da filosofia o levou a estudar profundamente alguns pensadores como Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Hume, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Wittgenstein, Weber e Gadamer. A partir desse autores, MacIntyre se filia à tradição aristotélico-tomista e passa a dialogar com seus contemporâneos, especialmente, John Rawls, Jurgen Habermas, Charles Taylor, Donald Davidson, Paul Ricoeur e Richard Rorty, entre outros.
A obra filosófica da MacIntyre, a partir da publicação em 1981 de Depois da Virtude, o tornou conhecido mundialmente no âmbito filosófico acadêmico. Numa rápida recordação da proposta da MacIntyre, para nosso autor, uma definição robusta de virtudes, e que seja relevante para a sociedade contemporânea, é entendê-las como habilidades para participar com excelência nas práticas dentro de instituições e segundo uma tradição partilhada de excelência. Por práticas, MacIntyre entende qualquer atividade cooperativa humana, socialmente estabelecida, na qual os indivíduos interagem e realizam os bens imanentes segundo regras e padrões de excelência. Mas, as práticas não são eventos isolados na vida de uma pessoa. Elas constituem um conjunto complexo que estruturam o agir humano e a própria vida humana. Sendo assim, a melhor forma de compreender a vida humana em sua unidade é na forma de narrativas. Ou seja, é interpretar a vida humana como um todo, como portadora de uma unidade que fornece um télos, uma finalidade que guia a pessoa nesta jornada existencial que é viver. É, propriamente, uma jornada de busca humana pela vida boa. Mas, diante dessa jornada, o que dá o horizonte de interpretação dessa busca é o conceito de tradição. Por tradição, entende-se um determinado modo de compreender e interpretar as práticas que são constantemente transmitidas e interpretadas por nós, humanos, dentro de uma unidade narrativa de vida.
Um elemento significativo na vida de MacIntyre é sua conversão ao catolicismo. Segundo sua narrativa, entre as décadas de 70 e 80, ele começa a estudar as obras da filósofa Elisabeth Anscombe e do Cardeal John Henry Newman. Essa influência o levará a estudar o pensamento de Edith Stein (ver o livro de 2005 – Edith Stein: Um prólogo filosófico 1913-1922). Ao mesmo tempo, suas leituras de Aristóteles o levam a mergulhar no pensamento de Agostinho e Tomás de Aquino. Portanto, seu caminho de reflexão filosófica da tradição católica está acompanhado por esses pensadores que o fazem ler a história da filosofia a partir dessa tradição e que ele nos apresentou num livro de 2009 intitulado Deus, a Filosofia e as Universidades – Uma história seletiva da tradição filosófica católica.
Ainda é importante ressaltar que MacIntyre defende em 1988 uma concepção não universal de justiça e racionalidade que encontramos no livro Justiça de quem? Qual racionalidade?, primeiro livro dele traduzido no Brasil pelas Edições Loyola. Para nosso autor, não existe uma moral abstrata e universal. Existem costumes e práticas locais específicos, ambos inscritos em uma tradição. Essa proposta é desenvolvida melhor no livro Três versões rivais de investigação moral: Enciclopédia, Genealogia, Tradição (1990). Neste texto, MacIntyre defende que as práticas locais não surgem do nada, mas são construídas para responder a desafios específicos que aparecem em contextos específicos. Somente dentro desse horizonte compartilhado pode surgir aquele eu narrativo que nos permite comparar e discutir as razões de uma escolha. Neste contexto, as práticas das virtudes, construídas a partir de uma narrativa comunitária, oferecem a oportunidade de escapar da desordem moral dos nossos tempos, e nos permite construir comunidades sobre redes de reciprocidade. Essa intuição filosófica está no cerne do estágio final do pensamento de MacIntyre apresentado em seu texto de 1999 – Animais Racionais Dependentes – Porque os seres humanos precisam das virtudes.
Em seu último grande trabalho de 2016 – Ética nos conflitos da modernidade: ensaio sobre desejo, razão prática e narrativa, MacIntyre nos ensina que a vida boa floresce quando caminhamos além do individualismo. O importante nessa caminhada é identificar um conjunto de bens cuja contribuição para uma vida boa seja fundamental. O que importa para uma vida boa não é tanto quais escolhas são feitas, mas sim como essas escolhas são feitas, a natureza e a qualidade da deliberação que as faz acontecer.
Finalmente, para encerrar essa breve homenagem ao Professor MacIntyre, repito as palavras que já escrevi neste mesmo espaço: “Diante do que foi apresentado acima, quais são, para MacIntyre, as tarefas do filósofo católico? (1) Interpretar as preocupações humanas mais profundas; (2) Desenvolver uma consciência das relações entre as questões pré-filosóficas, as investigações filosóficas e as verdades reveladas da fé católica; (3) Buscar um tipo de compreensão que permita distinguir o que vale a pena nos importarmos muito, o que vale a pena nos preocuparmos menos e o que não vale a pena nos preocuparmos e (4) Compreender nossa busca humana pela verdade e por Deus como causa primeira e final, como busca fundamental da filosofia. Essas tarefas nos levam à continuidade da construção do relato da tradição filosófica católica, entendida como um empreendimento cooperativo. Nesse empreendimento, a filosofia possui a função integradora de abrir e iluminar as relações com a teologia e com toda uma gama de disciplinas e conhecimentos, sem deixar de lado a reflexão sobre a história passada da tradição filosófica católica. Finalmente, retomando a inspiração agostiniana, MacIntyre nos recorda que a fragilidade, a finitude e o pecado estão presentes em todos os nossos projetos humanos. Por isso, caridade e esperança são guias seguros para uma busca filosófica consistente e coerente com a tradição católica”. [https://faculdadejesuita.edu.br/existe-uma-historia-da-filosofia-catolica/]
Elton Vitoriano Ribeiro SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia e Reitor da FAJE
29/05/2025