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Aprendendo a acompanhar conversando

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Alfredo Sampaio Costa SJ

Iniciamos nossa reflexão desta semana trazendo um curioso provérbio:
Nos foram dadas duas orelhas, mas uma só boca, para que possamos ouvir mais e falar menos” (Zenão de Eléia, filósofo do V século AC)

Semana passada conversávamos sobre a qualidade e intensidade da minha participação ao conversar espiritualmente com alguém. Hoje queremos refletir junto com vocês sobre que tipo de relação deve ser estabelecida entre a pessoa que escuta e aquele ou aquela que vem pedir uma ajuda. Pode parecer uma discussão inócua e teórica, mas não se deixe enganar: ela tem implicações muito sérias no desenrolar da relação.

Que termo é melhor usar: acompanhante/ diretor espiritual / orientador?

García de Castro chama o que costumeiramente tratamos como “entrevista” com o título de “conversação de acompanhamento”. Para ele, a principal característica dessa conversa é ser “lugar de realização de nosso ministério, um encontro para ajudar a outros no crescimento de sua vida cristã e que se realiza no nome do Senhor Jesus. A conversação é, então, uma tarefa e uma missão, um tempo de ajuda religiosa à outra pessoa através do conversar (da palavra)” (p.88). Uma questão preliminar toca a terminologia: O termo “acompanhamento” é adequado para falar dessa relação de crescimento na fé, no âmbito pastoral em que nos encontramos? Conforme o ambiente cultural de onde é a pessoa, pode variar a terminologia. Vejamos: direção/diretor espiritual ou acompanhamento/acompanhante?

O emprego de uma ou outra expressão revela toda uma maneira de entender a relação que se estabelece entre duas pessoas e, com frequência, desvela igualmente uma teologia subjacente, uma maneira particular de compreender a eclesiologia.

Em alguns âmbitos da comunidade eclesial é mais frequente o termo “acompanhante / acompanhamento espiritual”, enquanto em outros prevalece “diretor / dirigido espiritual”. Muitos evitam o termo “direção” para não dar uma ênfase no caráter diretivo e numa relação assimétrica entre quem dirige e os dirigidos. Contudo, “acompanhar” pode soar como algo tão “light”, uma conversa entre companheiros iguais, amigos.

Sinceramente, nenhum dos dois termos ajusta-se com exatidão a esta função. Utilizar “diretor/dirigido” reconhece a assimetria existente na relação (não se trata de duas pessoas num mesmo nível), mas dá a ideia de que um dirige o outro, impondo a ele/ela uma direção determinada (o que não é nada desejável). Por outro lado, optar pelo par “acompanhante/ acompanhado” pode erroneamente conceber que se trata de uma relação entre iguais (o que não é assim), embora tenha a vantagem de dar a entender que não se trata de um dirigir o outro, mas os dois caminham juntos.

Creio que o importante é entender bem de que se está falando. Na sensibilidade atual, normalmente o termo preferido é “acompanhar”. Em que sentido podemos entendê-lo?


Acompanhar o outro, atitude humana louvável, disposição do espírito

Quem não gosta de ser acompanhado por alguém que demonstra querer nos ajudar (não ter que percorrer o caminho só)? Com tudo o que isso acarreta afetivamente de importância, bem-querer, valorização?

“Acompanhar” tem um profundo significado de partilhar e percorrer junto com o outro espaços e cenários importantes da vida, fazendo-nos “presentes” aí. O acompanhamento trata de algo muito concreto e profundo, a saber, da passagem de Deus pela nossa vida, presença que toca e alcança todas nossas coisas, todo meu fazer e possuir, tudo o que tenho e sou.

O objeto, pois, da conversação pastoral é a vida em toda sua riqueza e complexidade, verdade e densidade, uma vida que deseja ser iluminada pela fé.

Aplicando o termo a realidades conhecidas da nossa vida, como por exemplo “acompanhar” alguém (um doente, um necessitado) implica assumir a sua situação e adaptar minha vida à dele. Acompanhamos a pessoa onde ele precisar ir, e teremos que fazê-lo no ritmo dele, que muitas vezes não coincidirá com o nosso.

Preparar bem o entorno da conversação

O êxito de uma conversa espiritual depende de inúmeros fatores. Entre eles, nosso esmero em preparar um ambiente agradável e uma atmosfera propícia. Vejamos:

a) Um espaço acolhedor e simples
1. Evitar os seguintes espaços:
– Espaços excessivamente íntimos ou domésticos
– Espaços excessivamente formais, como um gabinete de trabalho.
– Espaços excessivamente informais, como um bar concorrido, uma cafeteria ruidosa…
– Espaços excessivamente abertos que não favoreçam um mínimo de interioridade e discrição
– Espaços inapropriados, por se encontrarem demasiado próximos a corredores, salas de TV, elevadores, banheiros…

2. Espaço bem proporcionado e aberto?
– A sala deve ser proporcional ao espaço que podem ocupar comodamente duas pessoas.
– Se é demasiado grande, resultará um lugar impessoal e frio
– Se é demasiado pequeno, pode transmitir excesso de intimidade ou demasiada proximidade e resultar incômodo para uma (ou para ambas) das pessoas.
– Em algumas circunstâncias, pode resultar conveniente desenvolver a conversação em um espaço natural aberto, como um jardim ou parque.

3. Espaço que seja digno: Ordem e limpeza; sobriedade e luz. Deve ser um espaço que garanta o silêncio interior da comunicação, que de fora não se escute o que se fala ali. A decoração deve ser sóbria, mas que transmita um ambiente acolhedor. Porta com vidro.

4. Mobiliário cômodo: forma e disposição: É importante que as poltronas sejam suficientemente confortáveis para favorecer o diálogo sem que a pessoa precise ficar mudando de posição constantemente. A forma de dispor as poltronas: o ideal é que não sejam nem colocadas frontalmente nem formando um ângulo reto, por exemplo. Uma posição frontal poderia deixar desconfortável algum dos dois. Colocando as poltronas em ângulo reto poderia ser causa de distrações e impedir o mínimo de contato visual. Portanto, nem de frente, nem de lado, mas formando um ângulo que favoreça o contato visual, ainda que de modo discreto.

b) Manter sempre uma distância respeitosa

Sempre é importante manter uma distância entre os dois como expressão de respeito, evitando assim que o acompanhado se sinta “acuado”. Não se deve jamais “tocar” na pessoa, que deve se sentir cômoda na conversação.

c) Como devo estar vestido

O modo como nos apresentamos diante daqueles que vamos acompanhar é muito importante. Principalmente nos primeiros encontros. É sempre bom buscar um modo de vestir discreto e adequado para o tipo de conversa que se vai ter. Um formalismo excessivo no modo de se vestir ou, ao contrário, um desleixo pode ter consequências negativas na conversa. É verdade que é preciso sempre levar em consideração a cultura de onde a pessoa provém.

d) Acolhida, saudação inicial e começo da conversa

O momento da introdução, que já inclui a saudação inicial, pode constar dos seguintes elementos:
1) Uns breves momentos de conversação informal enquanto se toma assento e se prepara a conversação: como foi o dia, breve referência a alguma última notícia da atualidade …, palavras que ajudarão a gerar certo ambiente e facilitam entrar no segundo passo.
2) Uma referência breve à última conversação que permita recordar os últimos temas comentados e ajude a situar aos dois interlocutores em um ponto de partida comum. Dados estes breves passos introdutórios, a conversação pode discorrer por onde o acompanhado creia ser mais oportuno orientá-la, seja avançando e aprofundando temas da conversação anterior ou introduzindo temas novos.
3) Como concluir a conversa da conversação: o encerramento e a despedida da conversação também são momentos importantes. O acompanhante deve ter em conta dever dedicar uns breves minutos a como ir terminando a conversação. Dependendo do tipo de relação de que se trate podem ajudar duas coisas:

– Orientar algum tipo de trabalho sobre um ponto concreto para o tempo até a próxima conversação; oferecer um breve sumário com os pontos principais do que foi conversado; explicitar as pistas que foram se abrindo na conversa, pontos sobre os quais seria bom voltar na próxima conversa;
– Convém ao final de uma conversação fixar a próxima data? Em alguns casos pode ser conveniente e prático, mas sempre segundo o que vá mostrando cada caso particular.

Concluindo: O uso adequado da palavra

O acompanhante deve estar atento para intervir acertadamente e discretamente na conversa. Por acertadamente entendemos a capacidade de avaliar o que vai dizer uma vez considerados os interrogantes que a constroem: o que vou dizer? Por quê? Para quê? Como?

A palavra dita pelo acompanhante tem muito peso na vida do acompanhado. Nem tudo convém dizer, e é importante aprender a saber como e quando devo fazer uso da palavra.

Pe. Alfredo Sampaio Costa SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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