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Cristo ressuscitou. E nós?

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Pe. Jaldemir Vitório SJ

A Carta aos Colossenses faz uma constatação merecedora de ser retomada, neste Tempo Pascal: “se vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensem nas coisas do alto, e não nas da terra, pois vocês morreram e a vida de vocês está escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,1-3). Portanto, a ressurreição de Cristo se torna verdadeira para nós, quando nos leva a ressuscitar com ele. Desconectar a ressurreição de Cristo da nossa ressurreição consiste num equívoco recorrente.

Essa desconexão aparece, por exemplo, em afirmações da liturgia que projetam nossa ressurreição para o final dos tempos. Eis algumas, entre tantas: “… apresentar-se diante de vossa face no dia da ressurreição” [como se não vivêssemos ressuscitados diante da face de Deus] ou “para que tenha vida no dia da ressurreição” [como se, ainda, vivêssemos na morte]. Parece que nossa ressurreição começará no futuro, sem levar em consideração a realidade atual. Entretanto, só podemos pensar a consumação e a plenificação de nossas vidas com a condição de ligá-las ao presente, onde se vive a ressurreição como modo de ser e de proceder. O estilo de vida dos ressuscitados, na perspectiva da Carta aos Colossenses, leva-os a cultivar na terra os valores do céu, a passar continuamente da morte para a vida, a se engajar na história sem supervalorizar as realidades efêmeras e passageiras. Enfim, a lutar para construir já o que, na esperança, almejamos. Nossa vida de ressuscitados torna-se uma contínua dinâmica de já e ainda-não, história e escatologia, característica de quem se deixou encantar pelo Ressuscitado e permite que a ressurreição dinamize sua existência, até nos atos mais pequeninos.

A afirmação – “vocês morreram e a vida de vocês está escondida com Cristo, em Deus” – tem enorme relevância. Daqui provém a consciência de nossa dignidade de batizados: sabemos estar mergulhados em Deus, pela ação do Ressuscitado, que transforma nossas vidas e faz de nós “filhos e filhas da luz” (Ef 5,8), com tudo que isso significa num mundo onde as trevas parecem prevalecer. Somos chamados a ser transparência de Deus, nos passos de Jesus que declarou: “eu e o Pai somos um!” (Jo 10,30). De nossa parte, parafraseando o Mestre, devemos chegar ao ponto de dizer: “eu e o Ressuscitado somos um!”, por estarmos mergulhados em Deus, com o Ressuscitado. Em outras palavras, por vivermos “com Cristo, em Deus”.

Esse elemento da espiritualidade e da fé pascal – nossa vida de ressuscitados – torna-se concreto, na medida em que agimos com compaixão misericordiosa, fazemo-nos solidários com os empobrecidos e marginalizados, lutamos para construir um mundo com mais justiça e igualdade, acreditamos na força do perdão e da reconciliação, rejeitamos toda sorte de preconceito, exclusão, racismo, machismo, clericalismo e narcisismo, agimos com consciência crítica em face da política e das ideologias, caminhamos na fé com espírito sinodal e, como nos alerta o Papa Francisco, nos preocupamos com a sustentabilidade da Casa Comum.

A Fé Pascal atinge um alto grau de realismo ao se transformar em ethos, projeto de vida, ao decidirmos trilhar um caminho alternativo àquele da pós-modernidade, da pós-verdade, da pós-humanidade, do “pós-tudo”, no que têm de antievangélico, quando o ser humano ousa querer assumir o lugar de Deus e colocá-lo de escanteio, com o resultado trágico de optar pela própria morte. Sim, quando o ser humano pretende “matar Deus” e “se tornar deus”, acaba por cometer uma espécie de suicídio ao eliminar de seu horizonte aquele que o cria e lhe garante a existência. Uma rápida contemplação do nosso mundo, onde Deus conta pouco ou quase nada, até mesmo, na práxis de muitos cristãos e cristãs, nos permitirá constatar como a morte está na ordem do dia e a banalização do mal já não choca nossas consciências, pois a vida humana tem pouco valor. A humanidade ruma para o fim, caso os seres humanos insistam em caminhar na contramão de Deus e em vagar pelas trevas do mal. Em outras palavras, insistam em caminhar na morte, rejeitando quem lhes pode dar Vida.

A luz da fé batismal, que aponta para o Ressuscitado, parece ter sido apagada em nossos corações de cristãos; eis porque não conseguimos iluminar nosso mundo. Não nos esforçamos para viver a condição de ressuscitados e ressuscitadores! Como se explica, pensando em nosso Brasil, existir tanta injustiça, desigualdade, violência, corrupção, miséria, misoginia, feminicídio, narcotráfico desenfreado, milícias cruéis, racismo, intolerância, exploração da boa-fé dos pobres, fake news, divisão, crimes ambientais, extremismos e tantas outras maldades… quando a imensa maioria da população se declara “cristã”? Como compatibilizar o fato de sermos filhos e filhas da luz com as densas trevas que nos rodeiam? Como acreditar que nos esforçamos para construir na história o que esperamos na escatologia, quando não se consegue ver a Ressurreição de Jesus Cristo dar frutos no âmbito da sociedade, da cultura, da política, da economia e, até mesmo, da religião? Que sentido tem nos declararmos cristãos, quando a Ressurreição está descartada do nosso dia a dia, do nosso agir? Estaríamos vivendo na morte, mas, proclamando, da boca para fora: Cristo Ressuscitou?

Ressuscitar com Cristo constitui-se em pré-requisito para nos declararmos cristãos e cristãs. Nossa ressurreição mostra-se efetiva num estilo de vida “escondida com Cristo, em Deus”, que faz de nós resplendores do amor divino. Torna-se insensato proclamar a ressurreição de Jesus e vivermos na morte! Falar em luz e estarmos envolvidos pelas trevas! Acreditarmos nas coisas do alto e nos deixarmos levar pelas realidades terrenas, no que têm de fechadas para Deus e para o que tem valor de eternidade!

O Tempo Pascal confronta-nos com uma pergunta incontornável: Cristo Ressuscitou. E nós?

Pe. Jaldemir Vitório, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

 

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