Élio Gasda SJ
O mundo está cada vez mais injusto. Milhões de pessoas vivendo na pobreza, sem acesso a trabalho decente, saúde, alimentação adequada, moradia digna, educação, saneamento básico. A desigualdade de renda e riqueza não para de aumentar. Quanto mais capitalismo, mais profundo é o abismo social.
Crise? Apenas para os pobres. Pobres cada vez mais empobrecidos, ricos cada vez mais ricos. O Relatório Desigualdades Mundiais, do World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) conclui: os 10% mais ricos respondem por 52% da renda global e 76% da riqueza. A metade mais pobre ganha 8% da renda mundial e apenas 2% da riqueza.
As desigualdades internas das nações são ainda maiores do que as existentes entre os países. A diferença entre as rendas médias dos 10% mais ricos e dos 50% mais pobres dos indivíduos dentro dos países quase dobrou, de 8,5 para 15 vezes.
Os governos estão mais pobres. A riqueza está concentrada em poucas mãos. A soma da fortuna dos bilionários brasileiros equivale a 25% do PIB brasileiro. Abominável: a pandemia que matou milhares de vidas, enriqueceu os bilionários. Amigos da morte.
Além da análise sobre o impacto da pandemia no aumento das desigualdades, o estudo abrange também as desigualdades ecológicas: emissão de carbono entre países ricos e pobres e entre as classes sociais. Na América do Norte os 10% mais ricos emitem 73 toneladas per capita por ano. O 50% mais pobres emitem 10 toneladas. Ricos poluem o planeta muito mais que os pobres!
O Relatório sintetiza o trabalho de centenas de pesquisadores de todos os continentes. A Europa é o menos desigual. A riqueza dos 10% mais ricos é cerca de 36%, enquanto no Oriente Médio e no norte da África esse valor chega a 58%. Os 10% mais ricos na América Latina ficam com 77% da riqueza total.
Dos 100 países analisados, o Brasil está entre os mais desiguais. No G20 é o segundo mais pobre, atrás apenas da África do Sul. Os 10% mais ricos capturam 59% da renda nacional total, enquanto a metade inferior da população fica com apenas 10%.
As desigualdades patrimoniais são ainda maiores do que as de renda. Em 2021, os 50% mais pobres possuem apenas 0,4% da riqueza. O patrimônio do 1% mais rico passou de 48,5%, em 2019, para 48,9% do patrimônio total. No maior exportador de carne bovina do mundo e segundo maior exportador de grãos, alastra-se o flagelo da fome. Um em cada quatro brasileiros vive na pobreza: 50 milhões de pessoas.
Uma sociedade desigual, racista e patriarcal. 38% de toda renda do trabalho vem da participação feminina. Pouco maior do que na Argentina (37%) e Colômbia (36%). Pesquisa da USP, com recorte racial, indica que homens brancos do 1% mais rico detêm juntos mais recursos que todas as mulheres negras adultas do país, que representam 28% da população. Com o trabalho de quantas mulheres negras se faz um milionário branco?
Mas, como diz Papa Francisco, “assim governa o dinheiro. Com o chicote do medo, da violência econômica, cultural e militar que gera mais violência contra os pobres em uma espiral infinita” (III Encontro Mundial dos Movimentos Populares).
Uma solução para redução da desigualdade: Taxação dos bilionários, Reforma tributária! O imposto sobre grandes fortunas é o único dos sete tributos federais previsto na Constituição Federal de 1988 (Art.153, inciso VII) que não foi instituído. Donos de helicópteros, jatinhos, iates e lanchas não pagam imposto sobre estes bens de luxo. Igrejas não pagam impostos. O maior esquema de corrupção acontece na sonegação de impostos praticada pelos milionários. Paraísos fiscais estão abarrotados de dinheiro roubado dos brasileiros. Taxar os milionários e reprimir a evasão fiscal gerariam recursos para investir em educação, saúde, empregos e transição ecológica.
Toda informação sobre a desigualdade é fundamental para despertar a indignação e sair do comodismo. É o que exorta Papa Francisco: “Superemos a paralisia do medo, a indiferença que mata, o desinteresse cínico que, com luvas de veludo, condena à morte quem está colocado à margem. Contrariemos na sua raiz o pensamento dominante, aquele que gira em torno do próprio eu, dos próprios egoísmos pessoais e nacionais que se tornam medida e critério de tudo”.
O aumento da desigualdade revela a natureza idolátrica do capitalismo. “A adoração do antigo bezerro de ouro (Êxodo 32,1-35) encontrou uma versão nova e impiedosa no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano” (Evangelii gaudium, 55).
A desigualdade é sempre uma escolha política. “Não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza, nem justiça com desigualdade” (Papa Francisco). Esses níveis extremos de desigualdades são incompatíveis com uma sociedade democrática.
“A Doutrina Social da Igreja e o magistério dos meus predecessores se revoltam contra o ídolo do dinheiro, que reina ao invés de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade” (Papa Francisco)
Élio Gasda SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
Publicado originalmente em https://domtotal.com/noticia/1555771/2021/12/desigualdade-economia-a-servico-dos-ricos/