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E agora, José?

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Geraldo Luiz De Mori, SJ

A esperança não engana” (Rm 5,5)

Nos últimos três anos, a Igreja católica foi marcada por muitas discussões envolvendo o sínodo sobre a sinodalidade, convocado pelo Papa Francisco em setembro de 2021 e finalizado com a cerimônia conclusiva do dia 27/10/2024. Várias polêmicas marcaram o processo sinodal, uma das mais importantes sendo a que se refere à ordenação das mulheres. Terminado o processo, com a cerimônia de encerramento e a publicação do Documento Final, muitos começam a fazer o balanço de todo o caminho percorrido. As reações são diversas. A de Agenor Brighenti, teólogo brasileiro que foi perito no sínodo, chama a atenção: “Saio com quatro sentimentos: decepção, esperança, gratidão e resiliência”. Ele explica por que escolheu essas quatro palavras, mas, para além do significado que ele dá, é interessante relê-las à luz do Documento Final e do primeiro “sabor” que ele parece ter deixado em quem acompanhou o caminho feito desde 2021.

Talvez, para entender o significado mais profundo do que foi o sínodo recém-concluído, é importante lembrar que nunca um evento eclesial envolveu tantas pessoas nos processos que desencadeou, com grande ênfase para a etapa da escuta, que implicou milhares de fiéis em quase todas as dioceses do mundo. Em muitas delas, a escuta serviu para desencadear novas dinâmicas na pastoral ou mesmo na estrutura eclesial diocesana. Os relatórios nacionais, elaborados pelas equipes criadas por cada Conferência Episcopal, são um bom termômetro do que é a vida real das Igrejas locais, com suas mazelas e anseios. A etapa que se seguiu, a das Assembleias Continentais, trouxe a novidade de reunir ao redor do método da “conversação no Espírito”, leigos, leigas, religiosos, religiosas, diáconos, padres, bispos, cardeais, numa verdadeira escuta que antecipava a que aconteceu nas duas sessões de 2023 e 2024, também ao redor do mesmo método, indicando que o caminho sinodal só acontece se há capacidade de escuta mútua, diálogo franco, acolhida do que cada participante tem como tesouro ou dificuldade a compartilhar.

As grandes questões que inquietam a Igreja no presente momento, sejam internas à instituição, sejam externas, não só surgiram nas várias etapas, mas também foram ganhando mais complexidade, com reações em diversos grupos mais antenados com o que acontecia nos diversos momentos em que o processo sinodal foi se desenvolvendo. As expectativas eram realmente muito grandes. Nesse sentido, a palavra “frustração”, primeira utilizada por Brighenti para expressar o que sentia no final do sínodo, é certamente compartilhada por muitas pessoas que acompanham as discussões eclesiais. Temas candentes como o que chegou na 2ª Sessão, a saber, o da ordenação das mulheres, estiveram presentes em todo o caminho sinodal, tendo a promessa de que deverão ser abordados na comissão criada para isso e que terminará seu trabalho até julho de 2025. Outros temas candentes quase que desapareceram, como o da ordenação de homens casados, o do exercício do ministério por padres que se casaram, o dos debates sobre a diversidade sexual, com ênfase na questão LGBTQIA+. As expectativas eram muitas e não as mesmas nos diversos contextos dos que estiveram nas duas sessões sinodais. Por isso, sob muitos pontos de vista, o consenso sobre essas e outras questões era difícil uma vez que a diversidade dos que compunham as sessões sinodais era ela também enorme.

Quem conhece a teologia do Concílio Vaticano II se surpreende com o resultado do Documento Final, que, sob muitos pontos de vista, retoma a eclesiologia conciliar. Certamente o termo sinodalidade não se encontra nos textos do Concílio, mas os principais elementos de sua compreensão da Igreja são os que foram utilizados ao se aprofundar, no Documento Final, o tema da sinodalidade. De fato, na apresentação desse tema recorre-se à teologia da Igreja como sacramento da unidade, cujas raízes se encontram na eclesiologia da Igreja como povo de Deus. Muitos podem se perguntar, qual o significado dessa retomada dos conceitos fundamentais da eclesiologia do Vaticano II?

Os estudiosos do Concílio dizem que o que se viveu nesse grande evento eclesial foi o resultado de um processo, certamente já iniciado antes, nos movimentos e na teologia renovadora surgidos no período que antecedeu a convocação do Vaticano II, mas também aprofundado no decorrer das quatros sessões conciliares. Mas o que os bispos viveram ao longo dessas sessões teve depois que ser traduzido na realidade de suas igrejas e isso não é algo dado uma vez por todas. Parece que é esse o grande desafio que o catolicismo enfrenta no momento presente. As disputas ideológicas sobre o que significa ser igreja hoje, num mundo fragmentado, no qual circulam tantas opiniões e demandas, com uma consciência cada vez mais aguda também das particularidades dos contextos, incidem de muitas maneiras no corpo eclesial, dificultando a criação de qualquer consenso.

Nesse sentido, mais que conteúdos novos, o que o Documento Final propôs é da ordem de uma pedagogia, que tem a ver com o método da conversação no Espírito, convidando cada fiel em seu distinto contexto, a aprender de novo a arte da escuta, necessária para qualquer diálogo e encontro que reconheça a importância de cada membro da Igreja. A insistência do Papa Francisco na expressão que ele havia utilizado nas Jornadas Mundiais da Juventude de Lisboa, “todos, todos, todos”, é uma chave de leitura para entrar nesse percurso que deveria levar ao aprendizado. Para ser sacramento da unidade entre os seres humanos e deles com Deus, a Igreja precisa de fato ser o que ela diz ser, ou seja, só existe unidade se existe comunhão e só existe comunhão se há acolhida.

Para entrar nessa dinâmica, como insiste o Documento Final, é necessário sentir-se de novo chamado à conversão. Não se é sinodal por decreto, as resistências que habitam cada pessoa diante de quem é diferente dela, são a marca mais forte de como é difícil colocar-se nesse caminho. Nesse sentido, o tema da conversão, presente nos capítulos II, III e IV, é um bom indício do que está em jogo: conversão dos relacionamentos, conversão dos processos e conversão dos títulos. Tudo isso pode parecer um resultado muito “magro” e, a esse título, decepcionante, pela enorme quantidade de energia que necessitou todo o processo sinodal. No entanto, como aponta o próprio Agenor Brighenti ao acrescentar à decepção os termos “esperança, gratidão e resiliência”, esses sentimentos são, por um lado, um dom de Deus, que continua habitando sua Igreja e a animando a seguir em frente, dando-lhe esperança, que é a companheira necessária diante de toda decepção, mas também suscitando nela a gratidão, pois tudo o que a Igreja é, ela o deve a seu Senhor, sem contar a resiliência, que é a capacidade de resistir a toda prova, presente, sobretudo, em quem já percorreu o caminho de muitas maneiras e tem que encontrar em si uma paciência infinita diante do que parece ser retrocesso ou estagnação.

Mais que buscar coisas muito novas no Documento Final, o convite que seu estatuto parece indicar é o de ser lido, acolhido, aprofundado. É o primeiro documento em seu gênero, pois passa a gozar de autoridade magisterial, e o interessante, é que a autoridade é a que é dada pelo simples fato de todos os seus autores serem membros do “santo povo fiel de Deus” e não pelo “poder” hierárquico do qual gozam. A esse título, vale a pena pensar como deixar-se implicar nos processos que ele propõe, que é o de permanecer no caminho sinodal que, como disse Francisco por ocasião do 50º aniversário da criação do Sínodo dos Bispos, é o caminho da Igreja nesse século XXI. Oxalá, em todas as instâncias da pastoral e da vida real da Igreja, o que o sínodo quis desencadear torne-se, de fato, um “caminhar juntos”, descobrindo-se importante, enriquecendo o Corpo de Cristo com seus dons e a humanidade com o que cada um e cada uma é: único/a.

Geraldo Luiz De Mori, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

Foto: Vatican News

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