Luiz Sureki, SJ
A consciência ecológica surge quando o homem começa a descobrir que a natureza não é apenas uma passividade infinita e que esse planeta é limitado. O homem decide então ser um gerente mais humano e lidar de modo mais racional e responsável com a natureza e seus recursos. A exploração passa a ser gerenciada, controlada e justificada pela lógica humana. O οἶκος continua dominado pelo λόγος humano, e a ciência denominada Eco-logia caminha para se tornar outro instrumento para o domínio do homem na Terra.
Atento a sempre possível instrumentalização científica do λόγος, Papa Francisco ampliou sobremaneira o termo “ecologia” adicionando-lhe o adjetivo qualitativo “integral”. A ciência que estuda as relações entre os organismos vivos e o meio ambiente necessita pensar e discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. A ecologia integral deve incluir, pois, as dimensões humanas e sociais; nunca é demais insistir: tudo está interligado (cf. Laudato Sì, 137-138).
“Se quisermos, de verdade, construir uma ecologia que nos permita reparar tudo o que temos destruído, então nenhum ramo das ciências e nenhuma forma de sabedoria pode ser transcurada, nem sequer a sabedoria religiosa com a sua linguagem própria” (Laudato Sì 63).
Desde esta última breve menção ao escrito do Pontífice, é mister destacar primeiramente a forma condicional da formulação: “se quisermos, de verdade, construir uma ecologia…, então…”. Note-se que não se diz “se pudermos (ou se pudéssemos) construir uma ecologia…”. O caso é que podemos, mas não queremos. Uma das razões de não querermos pode ser encontrada no que se segue: “reparar o que destruímos”. Reparar significa compensar ou fazer restituição por um dano ou prejuízo causado; ou, corrigir ou consertar algo que está danificado ou quebrado. Não queremos reparar o que foi destruído porque a mentalidade capitalista vigente marcada por um consumismo imediatista de conforto e bem-estar não nos permite pensar e considerar a possibilidade de “sair perdendo”, ou seja, não nos parece lógico abrirmos mão dos recursos ainda disponíveis no presente da nossa vida para começarmos a pagar uma dívida para com o meio ambiente já contraída pela geração antes da nossa a fim de que a geração depois da nossa fique com todo o benefício! Formulado deste modo, isso soa bastante duro. No entanto, é essa mentalidade que vem ganhando terreno e se fortalecendo.
O fato é que a ecologia, por si só, não basta. E ainda que ajuntássemos outras tantas logias dos ramos da ciência, como biologia, cosmologia, sociologia, geologia, zoologia, etc., não seria suficiente. Teríamos certamente um estudo bem mais ampliado, um conjunto muito maior de informações, mas continuaríamos tratando a vida, o cosmos, o terra, a natureza, a sociedade, os animais como objetos. Nesse sentido é de fundamental importância se ter acrescentado aos diversos ramos da ciência as também diversas formas de sabedoria, incluindo aí a sabedoria religiosa.
Com efeito, a busca por relacionar a experiência religiosa com o cuidado da nossa “casa comum”, o planeta Terra, a criação, estabelecendo a ponte da teologia com a ecologia (e vice-versa), no esforço de compreender as interconexões entre o ser humano, a natureza e o divino, é a característica marcante da atual Ecoteologia. Como um campo interdisciplinar, a ecoteologia busca integrar preocupações ecológicas com dimensões teológicas, investigando como as crenças religiosas podem influenciar a relação entre os seres humanos e o meio ambiente.
Muitos teólogos ambientais promovem uma ética de responsabilidade e cuidado com a criação. A sabedoria da tradição bíblica vê o cosmos, o planeta Terra e o ser humano que nele habita como criação de Deus. A criação se inscreve no regime do dom e, desde aí, suscita a responsabilidade como cuidado do dom. A criação não é um objeto para ser possuído, conquistado ou simplesmente estudado pelo homem, pois também este é uma parte dela e só existe nela. A sabedoria religiosa religa (como sugere o termo religião), conecta, põe em relação o Homem, o Mundo e Deus, vincula a protologia (as origens) à escatologia (finalidade/salvação). Neste sentido, a ecoteologia interpela a todos à uma conversão (μετάνοια), a uma mudança de mentalidade capaz de influenciar positivamente o nosso querer à luz daquele princípio teológico que contesta a lógica da conquista, do consumismo imediato e da manutenção de uma cultura do descarte.
Raimon Panikkar denominou “visão cosmoteândrica” a inter-relação Deus-Homem-Cosmos e a compreendeu como constitutiva da realidade como um todo. O filósofo, teólogo e cientista Panikkar (possuía doutorado em química) insistiu na necessidade de um diálogo com a Terra. À atividade de diálogo com a Terra chamou “Ecosofia”.
A ecosofia nos diz que a Terra (o cosmos) não é apenas um objeto que pensamos na relação para com Deus (ecoteo) e na relação para conosco (ecologia), mas é também um sujeito, um Tu para nós, com quem devemos ou deveríamos aprender a dialogar, ou ainda, aprender a ouvir. Não há verdadeira sabedoria do homem e no homem que ignore a sabedoria da Terra, pois o próprio homem é também humus, terrestre. Os átomos que constituem a matéria são os mesmos que constituem corporalmente o homem, assim como o espírito que vivifica a Terra e se manifesta numa multiplicidade incontável de formas de vida (sempre mais ameaçadas) é o mesmo que faz do homem um ser vivente.
Utilizando a linguagem da história das religiões, percebemos que a revelação da transcendência divina não passa hoje apenas pelo Sinai, o Monte Meru, o Monte Fuji, o Kailash, o Monte Tabor, o Kilimanjaro ou o Popocatepetl. A própria Terra nos diz que nosso destino está ligado (religatum) ao destino dela. Deus não fala somente ao homem ou somente no homem (que está no mundo), nem o homem (no mundo) fala somente de Deus ou tão somente em Deus; Deus fala também no mundo e pelo mundo, e este, por sua vez, fala de Deus porque Deus está tão presente nele quando está no homem, e vice-versa.
A diferença entre ecologia, ecoteologia e ecosofia não está no οἶκος (habitat, ambiente, mundo) que igualmente aparece nos três termos; e a diferença entre ecologia e ecoteologia não está nem no οἶκος nem no λόγος, mas especialmente no Θεός. Significa, grosso modo, em termos de uma ecologia integral, que o λόγος (marcadamente objetivo e instrumental) da ciência é enriquecido pelo λόγος (marcadamente subjetivo e sapiencial) da tradição religiosa teísta/criacionista, para a qual o relato genesíaco da criação/cosmos ocupa um lugar importante por relacionar, na criação do homem, o elemento terreno/terrestre com o elemento divino (sopro/espírito).
Por fim, a diferença para com a ecosofia se diz especialmente pela distinção entre λόγος e σοφία. Tal distinção, no caso de Panikkar, não é feita em termos de genitivo objetivo, ou seja, não se trata de uma sabedoria (σοφία) que nós temos ou adquirimos pela via de estudos e pesquisas que fazemos ou podemos fazer sobre o mundo/cosmos, sobre Deus/revelação, sobre o homem. Se trata antes de um genitivo subjetivo em que o sobre dá lugar ao de, de modo que, no caso da ecosofia, se refere à sabedoria do οἶκος (mundo/cosmos/Terra). O adjetivo “sábio” não é uma exclusividade do humano, nem tão somente uma exclusividade do divino, mas pertence igualmente ao cosmos, à natureza com seu dinamismo vital próprio, suas estações, suas leis naturais.
Não significa que a denominação “ecosofia” seria de pronto a solução para o gigantesco problema ecológico para o qual a ecoteologia também pretende oferecer respostas. O caso é que se tudo está interligado, a intuição cosmoteândrica que inspira a ecosofia, sem deixar de incluir a dimensão do divino ou religiosa, acentua mais a natureza pericorética e recíproca nessa interligação radicalmente trinitária, e o faz mais ao modo dos místicos do que dos cientistas ou dos teólogos. A ecosofia quer honrar a consciência ecológica e ao mesmo tempo ampliá-la desde uma perspectiva intercultural. A quem interessar, o principal livro de Raimon Panikkar dedicado ao tema traz por título: Ecosofía. La sabiduría de la Tierra.
Luiz Sureki, SJ é professor e pesquisador no departamento de Filosofia da FAJE